O Exército
Brasileiro tem como cultura institucional homenagear os grandes vultos
da Pátria e manter viva a lembrança de seus feitos, interpretando
acontecimentos de que participaram e recolhendo os exemplos que nos
legaram. Determinadas figuras históricas que vestiram nossa farda são
mais conhecidas do grande público, como o Duque de Caxias e o Marechal
Rondon. Outros personagens têm trajetórias igualmente notáveis, porém
menos disseminadas entre a população. Nomes como os do Major Misael de
Mendonça e do Tenente José Sampaio Xavier, algumas das vítimas que
tombaram no cumprimento do dever para defender a democracia, durante um
dos mais tristes episódios da história brasileira: a Intentona Comunista
de 1935, luta fratricida que ocorreu nas cidades de Natal, Recife e Rio
de Janeiro e que é rememorada neste dia 27 de novembro.
Antecedentes
Para
compreender o contexto histórico no qual as ações extremadas ocorreram, é
preciso retornar alguns anos no tempo. Após a Revolução Bolchevista de
1917, que transformou o Império Russo na União Soviética,
intensificou-se no mundo inteiro a propaganda ideológica
marxista-leninista, antes mesclada às manifestações do anarquismo e sem
maior expressão. No Brasil, a partir de 1919, foram registradas várias
tentativas de implantação do comunismo. Contudo, somente em 1922, o
Partido Comunista estabeleceu-se no país, alinhado, desde o início, à
política exterior soviética de espraiamento do comunismo.
No Brasil, os
adeptos do comunismo tomaram a ofensiva e fundaram a Aliança Nacional
Libertadora (ANL), em 1935, verdadeira filial do Partido Comunista e
mentora da rebelião que se preparava. Ex-capitão do Exército, Luís Carlos Prestes
foi aclamado presidente de honra da ANL, em uma reunião realizada no
dia 30 de março daquele mesmo ano, no Teatro João Caetano, Rio de
Janeiro. O Comunismo, revigorado pela adesão de Prestes, conseguiu
grande expansão, infiltrando-se inclusive nas Forças Armadas, onde
alguns jovens oficiais, em geral doutrinados desde os bancos escolares e
insatisfeitos com os rumos da Revolução de 1930, foram atraídos pela
personalidade do líder e pela retórica de renovação política e social
que vinha nas resoluções do Partido Comunista Brasileiro.
Movimento deflagrado em Natal
A revolta
eclodiu em Natal, a 23 de novembro de 1935, um sábado. Os sargentos,
cabos e soldados rebelados no 21º Batalhão de Caçadores, com o auxílio
de civis extremistas, prenderam o oficial de dia e apoderaram-se do
armamento e da munição da unidade. A resistência legalista durou das 20
horas do dia 23 até a manhã seguinte. Sem munição, as tropas do governo
renderam-se. Um Comitê Popular Revolucionário dirigiu o Rio Grande do
Norte por três dias. Cenas impressionantes ocorreram nessa ocasião,
incluindo a caça aos automóveis e caminhões públicos e particulares,
saques, estupros e arrombamentos, levando o desespero à população de
Natal. A contra-revolução veio do interior. Tropas do Exército e das
polícias dos estados vizinhos capturaram, em pouco tempo, todos os
implicados, que passaram a responder perante a Justiça por quase 20
mortes.
Sangue em Pernambuco
Dos três
levantes comunistas de 1935, o de Pernambuco foi o mais sangrento,
resultando em mais de 720 mortes, só nas operações da frente do Recife. A
antecipação da revolta em Natal prejudicou a surpresa do movimento em
Recife, encontrando a guarnição alerta e pronta para debelá-lo. Outro
fator decisivo para sufocar o levante foi a atuação segura do Secretário
de Segurança de Pernambuco, Malvino Reis Neto, Capitão do Exército.
O movimento
eclodiu na manhã de 24 de novembro, simultaneamente no quartel do 29º
Batalhão de Caçadores e no Quartel-General da 7ª Região Militar. Ao
mesmo tempo, civis armados atacavam delegacias de polícia. Porém, as
tropas organizaram-se e impediram a invasão do Recife.
Em Olinda, um
grupo de civis conseguiu apoderar-se dos pontos estratégicos da cidade,
depois de prender o prefeito e outras autoridades. Um pequeno
contingente de forças policiais, entretanto, desbaratou-os rapidamente.
Na manhã do
dia 25, ainda havia combate no quartel do 29º BC e no Largo da Paz. Os
comunistas instalaram algumas metralhadoras pesadas na torre da igreja
de Nossa Senhora da Paz, dificultando o ataque legalista. Para o local,
seguiu um grupo da Brigada Militar, chefiado pelo Capitão Higino
Belarmino. Com a chegada de elementos do 29º BC e de uma bateria de
Artilharia da Paraíba, os comunistas recuaram. Na altura do Engenho de
Santana, tiveram que enfrentar as forças do 20º Batalhão de Caçadores,
de Maceió, sendo derrotados. Aqueles que escaparam uniram-se aos
remanescentes e fugiram desordenadamente para o interior, mas foram
perseguidos e presos pelas tropas legais. Na terça-feira, 26,
praticamente cessou a luta no Recife e proximidades. Nesse mesmo dia,
com autorização do Congresso Nacional, o Presidente da República
decretou a vigência do estado de sítio em todo o país.
Combates no Rio de Janeiro
No Rio de
Janeiro, os comunistas prepararam a insurreição em várias unidades
militares. Na tarde de 26 de novembro, o 3º Regimento de Infantaria
encontrava-se em prontidão por causa dos acontecimentos no Nordeste.
Na madrugada
de 27 de novembro, eclodiu a revolta, sob ordens de Prestes. Amotinados
passaram a aprisionar os legalistas, que diante da surpresa e da rapidez
da ação ofereceram pouca ou nenhuma resistência. Todavia, as companhias
de metralhadoras dos 1º e 2º Batalhões, comandadas pelos Capitães Alexínio Bittencourt e Álvaro Braga,
não se intimidaram e responderam ao fogo, estabelecendo-se cerrado
tiroteio que alertava os observadores, escondidos nas vertentes dos
morros circunvizinhos ao 3º Regimento de Infantaria. O governo foi
imediatamente avisado. Nessa ocasião um oficial legalista, o Major Misael de Mendonça, foi atingido mortalmente.
Tropas da 1ª Região Militar, comandadas pelo General Eurico Gaspar Dutra,
impediam que os comunistas deixassem o quartel. Intimados a render-se,
os revoltosos não se entregaram. Diante dessa negativa, as tropas
legalistas intensificaram os fogos. Pouco depois do meio-dia surgiu uma
bandeira branca entre os escombros.
Simultaneamente,
no Campo dos Afonsos, levantou-se parte da guarnição da Escola de
Aviação Militar, vinculada à Aviação do Exército. Eclodira e rapidamente
alastrara-se o movimento, cuja repressão foi dificultada pela escuridão
e pela confusão generalizada. Oficiais legalistas, como o Capitão Armando de Souza e Melo e o Tenente Danilo Paladini, foram mortos ainda dormindo. O Tenente Benedito Lopes Bragança, que se encontrava preso, desarmado e incapaz de qualquer reação, também foi assassinado.
De posse de
todo o armamento e munição retirados das reservas e do paiol, o próximo
passo dos comunistas foi ocupar os hangares, a fim de acionar os aviões
e, com isso, alastrar o movimento. O 1º Regimento de Aviação, com o
Tenente-Coronel Eduardo Gomes, conseguiu repelir o
assalto, retardando os amotinados, até que o General José Joaquim de
Andrade manobrasse o Regimento Andrade Neves contra os rebeldes. Às 17
horas os comunistas debandaram em fuga. Os rebeldes prisioneiros foram
colocados no navio Pedro I, transformado em barco-presídio.
Legado
Por si só, o
termo “intentona”, qualificado como intento louco ou plano insensato,
resume o significado dos episódios ocorridos em 1935. Que as lições do
passado e o sangue derramado pelos que tombaram na defesa da Pátria
sirvam de farol para que jamais brasileiros peguem novamente em armas
contra seus compatriotas, em nome de ideologias políticas contrárias aos
ideais democráticos.
Sargentos legalistas do Exército Brasileiro, que ficaram prisioneiros dos comunistas no quartel do 21º Batalhão de Caçadores.Créditos Tok de História. |