Por Coronel Raul Kleber de Souza Boeno
Enquanto o debate acadêmico tem se
ocupado em discutir conceitos paralelos, complementares e adjacentes ao
de segurança, o debate político tem demonstrado estar dividido entre
securitizar ou não o tema alterações climáticas.
Na Europa, a NATO (Organização do
Tratado do Atlântico Norte), maior bloco armado do planeta, semanas
antes da realização da COP 21 (Paris/2015), emitiu a Resolution 427 on
Climate Change and International Security, demonstrando uma nítida
postura securitizadora sobre o tema. Essa resolução orientou os seus
membros para aumentar a frequência e a participação de consultas
militares, no seio da NATO, em assuntos ligados às alterações
climáticas. Reforçou, também, a importância do assunto a ser tratado em
Paris, devido aos futuros reflexos nos interesses da aliança na Europa e
no mundo. Sobre a NATO, cabe lembrar dois pontos: o bloco incluiu as
alterações climáticas como uma ameaça na sua atual estratégia de
segurança e não é composto apenas por países europeus, como é o caso do
Canadá e dos Estados Unidos da América (EUA).
Naquele mesmo ano, os EUA adotaram a sua
National Security Strategy of United States of America (NSSUSA) [2],
inserindo as alterações climáticas no mesmo nível de ameaça dos ataques
terroristas e a proliferação das armas de destruição em massa. Como os
meios militares são preparados a partir dos documentos de defesa e das
ameaças neles elencadas, o setor militar dos EUA tem investido enormes
somas de valores em pesquisa, formação de recursos humanos e aquisição
de equipamentos para manter seu poder bélico no patamar de hegemonia,
focando principalmente em novas fontes de energia e equipamentos
sofisticados que permitam projetar suas tropas em qualquer parte do
globo onde existam interesses estadunidenses.
Em 2016, o Conselho da União Europeia
emitiu a Council conclusions on European climate diplomacy after COP21,
argumentando que a União Europeia espera que o Conselho de Segurança da
ONU (CS ONU) continue a trabalhar sobre o tema alterações climáticas
devido às suas implicações na segurança internacional e nos interesses
europeus. Ocorre que, ao levar o tema para o CS ONU, o tema passa a ser
securitizado. Além disso, o Conselho de Segurança da ONU já se reuniu
(2007, 2011 e 2013) para tratar das alterações climáticas e da segurança
internacional. Além disso, três dos cinco membros permanentes do
conselho fazem parte do problema – grupo dos maiores emissores de Gases
de Efeito de Estufa (GEEs) do planeta (EUA, China, Rússia).
Ainda em 2016, a Declaração de Porto de
Espanha [3] indicou que o setor militar do continente americano também
está atento ao debate, reconhecendo que as alterações climáticas vão
impactar as atividades das Forças Armadas. Segundo os Ministros de
Defesa dos países da América, existe consenso de que as alterações
climáticas devem ser entendidas, pelos políticos, atores responsáveis
pela tomada de decisões políticas e líderes militares, como ameaças
potenciais que podem desafiar a prontidão militar.
Desastres como o furacão Matthew
(Jamaica, Cuba, República Dominicana, Bahamas e, especialmente, o
Haiti/2016) mostram que muitos dos desafios que o mundo enfrenta, como
as alterações climáticas, não respeitam fronteiras nacionais ou
regionais. Os impactos das alterações climáticas que aumentam a
frequência, escala e complexidade de futuras missões das Forças Armadas,
incluindo o apoio à defesa civil, podem, ao mesmo tempo, minar a
sustentabilidade de infraestruturas críticas, instalações e bens
essenciais que sustentam as atividades das Forças. Nesse sentido, existe
a necessidade de aumentar a capacidade do setor de defesa e segurança
para mitigação ou adaptação [4] aos efeitos das alterações climáticas
nas operações e instituições de defesa.
Em 2017, o Ministério da Defesa do
Brasil lançou o inédito Livro Verde de Defesa com o título “Defesa e
Meio Ambiente – Preparo com Sustentabilidade” [5]. Esse livro tem o
objetivo de divulgar as boas práticas de gestão ambiental executadas
pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas do Brasil. Além disso, o
livro também apresenta informações sobre as medidas de proteção,
preservação, sustentabilidade e recuperação; e sobre as operações em
apoio aos ecossistemas por meio das quais as Forças Armadas participam
do esforço global em prol do ambiente.
Recentemente, o Presidente Donald Trump
anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris, alegando
incompatibilidades com os interesses econômicos estadunidenses. Ocorre
que os investimentos no setor militar já estão em andamento e
dificilmente serão interrompidos antes da adoção de uma nova National
Security Strategy of United States of America (NSSUSA). Sobre isso, cabe
pontuar que justamente o setor militar poderá ser, pelo menos por
enquanto, o defensor da manutenção da participação dos EUA no Acordo de
Paris [6]; pois uma interrupção nos processos em andamento significaria,
em última análise, uma fragilidade dos seus projetos estratégicos que
poderia comprometer as suas Forças Armadas.
A postura oposta e desafiadora adotada
pela China de se manter no Acordo de Paris deu um impulso no sentido de
sustentar o Acordo e incentivar os demais países a cumprirem aquilo com
que se comprometeram perante a comunidade internacional. Ironicamente,
sobre isso cabe lembrar que Matthew Glass, na sua obra de ficção
intitulada “Ultimatum” (2009), previu que a situação seria a inversa: no
futuro, os EUA enfrentariam a China por causa da recusa dessa em
reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa.
Como contraponto da securitização, a
dessecuritização do tema alterações climáticas [7] se apresenta como
alternativa para aumentar o nível de confiança entre os povos, sendo
obtida por intermédio da ajuda mútua e pelo reforço aos mecanismos de
resolução de conflitos, impedindo o avanço do tema para a agenda de
segurança internacional.
Assim, como reflexão deste breve
contributo, fica a percepção de que, independentemente do tema ser
securitizado ou dessecuritizado, o setor militar tem permanecido atento
ao debate político sobre as alterações climáticas, pois elas têm
exercido influência nas atividades desenvolvidas pelas Forças Armadas,
bem como na infraestrutura de defesa e segurança dos países.
Coronel Raul Kleber de Souza Boeno |