Por Coronel
Thales Mota de Alencar
A
pandemia do novo coronavírus trouxe um ambiente de incertezas para o mundo
moderno, quebrando paradigmas e, possivelmente, modificando para sempre
diversos hábitos e processos. A imposição de soluções amargas ao enfrentamento
da Covid-19, a exemplo do isolamento social, tem contribuído para desequilibrar
tanto a procura quanto a oferta de produtos e serviços, refletindo diretamente
na estrutura das cadeias logísticas. Centros de distribuição, transportadoras e
operadores logísticos, em geral, buscam adaptar-se a este novo cenário, porém
ainda com muitos prejuízos financeiros e dificuldades para atender às demandas
existentes.
A
Defesa naturalmente sente os impactos desta crise, tanto no que concerne ao
preparo, quanto ao emprego das Forças Armadas. Essas vêm procurando com
flexibilidade e adaptabilidade inserir-se nesta guerra contra o inimigo
invisível, de modo a poder contribuir com a sociedade, porém sem perder suas
capacidades de emprego convencional na defesa da Pátria. Isto pode ser
confirmado pela Operação Covid-19, conduzida pelo Ministério da Defesa, e a
consequente ativação do Centro de Operações Conjuntas, além de 10 Comandos
Conjuntos e do Comando de Operações Aeroespaciais, empregando um total de quase
30 mil militares em todo o território nacional.
O
Exército Brasileiro, que lidera 8 dos 10 Comandos Conjuntos ativados, tem sido
empregado diuturnamente no enfrentamento da pandemia, disponibilizando seus
recursos operacionais e logísticos, a exemplo de atividades de triagem,
desinfecção de instalações, transporte de material, controle de fronteiras,
dentre outras em apoio às ações federais, bem como em atendimento aos pedidos
de estados, municípios e diversos órgãos.
Nesse
contexto, a logística militar terrestre tem sido exigida em sua plenitude, na
medida em que seus meios estão sendo concentrados nas ações de enfrentamento à
Covid-19. Isto sem deixar de lado a sustentação da Força Terrestre na sua
perene preparação para defender a Pátria.
Cabe
ressaltar que a logística militar sempre foi referência para a logística
empresarial, devido a fatores relacionados à sua capilaridade em todo o País,
dispondo de meios de transporte adequados e depósitos de suprimento regionais.
Porém, a globalização trouxe alguns reflexos para a logística, como o aumento da
concorrência entre as empresas, a necessidade crescente de se obter menores
custos e a imposição de maior agilidade no atendimento das demandas. Assim,
modernas ferramentas e novos conceitos foram incorporados à logística
corporativa, resultando em maior integração das cadeias de suprimento. Em
consequência, surgiu um hiato entre as formas de se fazer logística no meio
civil e no meio militar, ficando estas separadas pela maior capacidade de o
meio empresarial poder contar com maior quantidade de recursos financeiros e
informacionais a fim de integrar suas cadeias de suprimento.
Nesse
escopo, os conceitos da Gestão da Cadeia de Suprimento ou Supply
Chain Management (SCM) foram incorporados à logística, dando
maior visibilidade e integração em todos os processos produtivos, desde o
fornecimento de matérias-primas até a entrega de produtos e serviços ao cliente
final. Desse modo, a logística deixou de se concentrar nas estruturas para
focar nas informações, empregando softwares de gestão que possibilitam controlar
toda a cadeia de suprimento, resultando em menores custos, maior rapidez e
incremento na satisfação do consumidor.
Então,
a filosofia do Just in Time (JIT) foi muito bem
recebida na Gestão da Cadeia de Suprimento. O JIT visa a entregar o produto na hora
certa, produzindo somente sob demanda, visando a redução de estoques,
diminuindo os custos de armazenagem e processos decorrentes. Além disso,
oferece a possibilidade de customizar a produção, a fim de atender às
necessidades específicas de um determinado cliente.
Em
paralelo, a logística militar terrestre, por meio de constantes e crescentes
investimentos por parte do Exército Brasileiro no decorrer dos anos, vem
concentrando esforços para diminuir a defasagem perante a logística
empresarial. Nesse ínterim, surgiu o Sistema de Material do Exército (SIMATEx),
com destaque para o Sistema de Controle Físico (SISCOFIS), como um de seus
principais subsistemas. Este proporciona maior visibilidade e integração de
toda a cadeia de suprimento, possibilitando o emprego de outras ferramentas e
sistemas de gestão, a fim de atender às demandas logísticas e obter maior
racionalização de recursos.
Assim,
a utilização da Gestão da Cadeia de Suprimentos e a implementação da filosofia
do Just
in Time no âmbito da Força Terrestre se mostraram como
excelentes ferramentas para proporcionar maior economia. A manutenção de
menores estoques de itens, como munições, peças e conjuntos de reparação de
viaturas e armamentos e mesmo combustível resultariam, sem dúvida, em maior eficiência
nos gastos públicos. E esse era um excelente caminho a ser seguido pela
logística militar terrestre em busca de maior modernidade e aproximação com a
logística empresarial. Isto até a chegada da pandemia da Covid-19.
Apesar
de ainda recente, o surgimento do novo coronavírus já conseguiu causar
interferência no fluxo logístico de insumos essenciais para o cumprimento de
missões militares. Além disso, o surgimento de demandas outrora inexistentes,
como a produção de equipamentos de proteção individual e o desdobramento
crescente de módulos de hospitais de campanha, tem trazido reflexões no tocante
ao modo de se fazer logística militar, particularmente na possibilidade de se
terceirizar algumas atividades (outsourcing).
Em
consequência, algumas perguntas complexas e ainda sem respostas permeiam o
pensamento do combatente logístico. Até que ponto a logística militar terrestre
tem que se aproximar da logística empresarial? Precisamos do Just
in Time, mesmo considerando seus estoques mínimos e de emergência?
Devendo as Forças Armadas estarem em permanente prontidão, será que vale a pena
se buscar racionalização de estoques? E se houver interrupção das cadeias de
suprimento globais, como ficaria a aquisição de insumos essenciais para a
manutenção de meios que dependem de suprimentos importados?
Além
disso, com a ativação dos Comandos Conjuntos, talvez já esteja mais do que na
hora de praticar a logística conjunta. Um bom ponto de partida poderia ser a
execução de atividades de suprimento e manutenção de itens comuns às Forças
Armadas.
A
pandemia da Covid-19 trouxe muitas incertezas para o mundo moderno. Talvez esta
crise seja um pano de fundo oportuno para repensarmos a logística militar
terrestre, quebrando alguns de seus mais caros paradigmas, a exemplo da possibilidade
de união de esforços com o mundo empresarial, por meio da prática de outsourcing, e
com as outras Forças Armadas, por meio da logística conjunta.