quinta-feira, 16 de julho de 2020

Reflexões sobre a logística militar terrestre em tempos de pandemia da Covid-19

Por Coronel Thales Mota de Alencar
A pandemia do novo coronavírus trouxe um ambiente de incertezas para o mundo moderno, quebrando paradigmas e, possivelmente, modificando para sempre diversos hábitos e processos. A imposição de soluções amargas ao enfrentamento da Covid-19, a exemplo do isolamento social, tem contribuído para desequilibrar tanto a procura quanto a oferta de produtos e serviços, refletindo diretamente na estrutura das cadeias logísticas. Centros de distribuição, transportadoras e operadores logísticos, em geral, buscam adaptar-se a este novo cenário, porém ainda com muitos prejuízos financeiros e dificuldades para atender às demandas existentes.
A Defesa naturalmente sente os impactos desta crise, tanto no que concerne ao preparo, quanto ao emprego das Forças Armadas. Essas vêm procurando com flexibilidade e adaptabilidade inserir-se nesta guerra contra o inimigo invisível, de modo a poder contribuir com a sociedade, porém sem perder suas capacidades de emprego convencional na defesa da Pátria.  Isto pode ser confirmado pela Operação Covid-19, conduzida pelo Ministério da Defesa, e a consequente ativação do Centro de Operações Conjuntas, além de 10 Comandos Conjuntos e do Comando de Operações Aeroespaciais, empregando um total de quase 30 mil militares em todo o território nacional. 
O Exército Brasileiro, que lidera 8 dos 10 Comandos Conjuntos ativados, tem sido empregado diuturnamente no enfrentamento da pandemia, disponibilizando seus recursos operacionais e logísticos, a exemplo de atividades de triagem, desinfecção de instalações, transporte de material, controle de fronteiras, dentre outras em apoio às ações federais, bem como em atendimento aos pedidos de estados, municípios e diversos órgãos.
Nesse contexto, a logística militar terrestre tem sido exigida em sua plenitude, na medida em que seus meios estão sendo concentrados nas ações de enfrentamento à Covid-19. Isto sem deixar de lado a sustentação da Força Terrestre na sua perene preparação para defender a Pátria.
Cabe ressaltar que a logística militar sempre foi referência para a logística empresarial, devido a fatores relacionados à sua capilaridade em todo o País, dispondo de meios de transporte adequados e depósitos de suprimento regionais. Porém, a globalização trouxe alguns reflexos para a logística, como o aumento da concorrência entre as empresas, a necessidade crescente de se obter menores custos e a imposição de maior agilidade no atendimento das demandas. Assim, modernas ferramentas e novos conceitos foram incorporados à logística corporativa, resultando em maior integração das cadeias de suprimento. Em consequência, surgiu um hiato entre as formas de se fazer logística no meio civil e no meio militar, ficando estas separadas pela maior capacidade de o meio empresarial poder contar com maior quantidade de recursos financeiros e informacionais a fim de integrar suas cadeias de suprimento.
Nesse escopo, os conceitos da Gestão da Cadeia de Suprimento ou Supply Chain Management (SCM) foram incorporados à logística, dando maior visibilidade e integração em todos os processos produtivos, desde o fornecimento de matérias-primas até a entrega de produtos e serviços ao cliente final. Desse modo, a logística deixou de se concentrar nas estruturas para focar nas informações, empregando softwares de gestão que possibilitam controlar toda a cadeia de suprimento, resultando em menores custos, maior rapidez e incremento na satisfação do consumidor.
Então, a filosofia do Just in Time (JIT) foi muito bem recebida na Gestão da Cadeia de Suprimento. O JIT visa a entregar o produto na hora certa, produzindo somente sob demanda, visando a redução de estoques, diminuindo os custos de armazenagem e processos decorrentes. Além disso, oferece a possibilidade de customizar a produção, a fim de atender às necessidades específicas de um determinado cliente.
Em paralelo, a logística militar terrestre, por meio de constantes e crescentes investimentos por parte do Exército Brasileiro no decorrer dos anos, vem concentrando esforços para diminuir a defasagem perante a logística empresarial. Nesse ínterim, surgiu o Sistema de Material do Exército (SIMATEx), com destaque para o Sistema de Controle Físico (SISCOFIS), como um de seus principais subsistemas. Este proporciona maior visibilidade e integração de toda a cadeia de suprimento, possibilitando o emprego de outras ferramentas e sistemas de gestão, a fim de atender às demandas logísticas e obter maior racionalização de recursos.
Assim, a utilização da Gestão da Cadeia de Suprimentos e a implementação da filosofia do Just in Time no âmbito da Força Terrestre se mostraram como excelentes ferramentas para proporcionar maior economia. A manutenção de menores estoques de itens, como munições, peças e conjuntos de reparação de viaturas e armamentos e mesmo combustível resultariam, sem dúvida, em maior eficiência nos gastos públicos. E esse era um excelente caminho a ser seguido pela logística militar terrestre em busca de maior modernidade e aproximação com a logística empresarial. Isto até a chegada da pandemia da Covid-19.
Apesar de ainda recente, o surgimento do novo coronavírus já conseguiu causar interferência no fluxo logístico de insumos essenciais para o cumprimento de missões militares. Além disso, o surgimento de demandas outrora inexistentes, como a produção de equipamentos de proteção individual e o desdobramento crescente de módulos de hospitais de campanha, tem trazido reflexões no tocante ao modo de se fazer logística militar, particularmente na possibilidade de se terceirizar algumas atividades (outsourcing).
Em consequência, algumas perguntas complexas e ainda sem respostas permeiam o pensamento do combatente logístico. Até que ponto a logística militar terrestre tem que se aproximar da logística empresarial? Precisamos do Just in Time, mesmo considerando seus estoques mínimos e de emergência? Devendo as Forças Armadas estarem em permanente prontidão, será que vale a pena se buscar racionalização de estoques? E se houver interrupção das cadeias de suprimento globais, como ficaria a aquisição de insumos essenciais para a manutenção de meios que dependem de suprimentos importados?
Além disso, com a ativação dos Comandos Conjuntos, talvez já esteja mais do que na hora de praticar a logística conjunta. Um bom ponto de partida poderia ser a execução de atividades de suprimento e manutenção de itens comuns às Forças Armadas.
A pandemia da Covid-19 trouxe muitas incertezas para o mundo moderno. Talvez esta crise seja um pano de fundo oportuno para repensarmos a logística militar terrestre, quebrando alguns de seus mais caros paradigmas, a exemplo da possibilidade de união de esforços com o mundo empresarial, por meio da prática de outsourcing, e com as outras Forças Armadas, por meio da logística conjunta.





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