Por Tenente Coronel Luciano Hickert
A Operação Vacinação iniciou-se em janeiro de 2021, com a finalidade de apoiar a rede de saúde dos entes federados, complementando suas capacidades de estabelecer postos de vacinação para a população brasileira em face da pandemia de covid-19. Tem por objetivo acelerar a retomada do estado de normalidade no Brasil, visando à recuperação sanitária e econômica no mais curto prazo e priorizando os princípios militares da legalidade e prontidão.
A operação se alinha à capacidade militar de apoiar os órgãos governamentais, salvaguardando os interesses nacionais, o desenvolvimento e o bem-estar social, conforme descreve o catálogo de capacidades do Exército.
A atividade reforça a ação dos militares do Exército Brasileiro, empenhados desde o início da pandemia mundial em colaboração aos órgãos de segurança pública (OSP), de controle sanitário e de saúde na Operação Covid-19, iniciada em março de 2020. Assim, a Operação Vacinação ocorre paralelamente à Operação Covid-19, abrangendo tanto as áreas de fronteira, com auxílio aos órgãos de controle imigratórios, quanto as cidades do interior do Brasil, com apoio logístico para estocagem e transporte de materiais, emprego de militares para triagem em órgãos públicos e desinfecção de locais de grande circulação.
Em 18 de janeiro de 2021, o Ministério da Saúde iniciou, oficialmente, a campanha de vacinação contra a covid-19. No mesmo dia, o governo estadual do Rio Grande do Sul e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre emitiram seus planos de imunização, sendo requerido o apoio do Comando Militar do Sul para o armazenamento, o transporte e a aplicação das vacinas.
A Operação Vacinação caracteriza-se como uma operação complementar, em um contexto interagências, conforme prescreve o manual MD33-M-12. Além dos governos, diversos órgãos de saúde são protagonistas das atividades desenvolvidas, especialmente as secretarias de saúde dos municípios, OSP, Guardas Municipais e diversas entidades não governamentais, como clubes, centro de compras, hospitais civis e farmácias, que buscam auxiliar nas diversas atividades com organização das filas, apoio com barracas e edificações, pessoal especializado, segurança e transporte.
Diversos ensinamentos estão sendo colhidos com o emprego da tropa na atividade de vacinação, dentre os quais se destacam as facilidades e os óbices internos e externos que têm desafiado o sistema Exército Brasileiro. A Operação Vacinação merece ser analisada de forma detalhada, a fim de serem ressaltados os aspectos mais destacados do emprego do EB.
Na Operação Covid-19, o cenário incerto conduziu o planejamento para diversas linhas de esforço: a proteção da tropa diante da ameaça do novo vírus e o apoio à segurança pública, ao controle da propagação do vírus e aos órgãos de saúde, que resultou em uma gama variada de ações em diversos sistemas do Exército (EB). Diante de um ambiente complexo, o EB buscou a aproximação com os demais órgãos públicos, organizando centros de coordenação interagências (comandos conjuntos) regionalizados, a fim de monitorar os sinais de piora das condições sanitárias, de segurança pública e, também, da opinião pública para a condução da ação estatal.
Passados 12 meses do início da Operação Covid-19, pode-se verificar que o planejamento elaborado, inicialmente, esteve adequado aos desafios apresentados durante o período. No campo da segurança pública, mesmo com a crise econômica e a redução do PIB, os índices apresentaram um resultado surpreendente, com o aumento da apreensão de ilícitos e a redução da violência em todo o País. O relacionamento interagência passou por um processo de amadurecimento, solidificando a ação conjunta, mesmo com o desgaste de muitos meses em contato diário.
Esse amadurecimento provocado pela Operação Covid-19 possibilitou o lançamento da Operação Vacinação em melhores condições, dentro de um cenário com maior previsibilidade. Mesmo diante de algumas incertezas como o número de doses de vacinas disponíveis; quantidade de pessoal técnico habilitado e disponível para a aplicação; locais adequados para selecionar o público-alvo; surgimento de novas variantes do vírus; maior demanda por atendimento hospitalar; e variação da procura pelo imunizante conforme as faixas selecionadas, foi possível estabelecer um planejamento que, ao longo dos meses, foi se aperfeiçoando.
Para a região de Porto Alegre, o Comando Conjunto Sul designou a 6ª Divisão de Exército como a responsável pela condução das operações. Na área, a Secretaria Estadual de Saúde tem buscado auxílio em meios de transporte, barracas e material de balizamento, assim como apoio geral e de desinfecção. Além disso, foi solicitado apoio para a aplicação das vacinas, para a segurança dos locais e a organização das filas.
Como se percebe nas operações interagências, as diferenças organizacionais apresentam uma série de dificuldades para a condução da intenção do nível operacional para o tático, implicando em desafios que devem ser vencidos com negociação e foco no resultado. As solicitações do nível político devem ser traduzidas em ações efetivas, que resultem em praticidade e economia.
Assim, a Operação Vacinação evidenciou importantes pontos internos que merecem destaque, tais como:
- Emprego de frações básicas, nível pelotão ou subunidade, para mobiliar os drive-thru, envolvendo balizadores, militares para anotar os dados e checar a faixa etária, equipe de apoio, enfermeiros e até músicos. Foram montados pacotes padrão para as ações das unidades, compondo meios e pessoal já em prontidão para cada ação;
- Seleção de locais mais adequados para a espera e aplicação das vacinas, como estacionamento de shopping e estádios, a fim de evitar o emprego de barracas e proteger os envolvidos de chuva e tempo adverso;
- Emprego de viaturas administrativas, que conduzem técnicos em enfermagem - civis e militares -, para a vacinação de pessoal impossibilitado de sair de suas moradias;
- Regulação das atividades de Comunicação Social, por meio da centralização e unificação dos discursos, buscando garantir maior visibilidade para os órgãos de saúde protagonistas da atividade;
- Planejamentos que evitem problemas nas filas, em especial oriundos de manifestações políticas ou brigas entre o público-alvo da vacinação, em colaboração com as OSP;
- Nos postos de saúde, foram oferecidas barracas e toldos para facilitar a triagem em ambiente aberto, colaborando para a diminuição dos níveis de infecção.
As mudanças e evoluções do cenário causaram constante reavaliação das prioridades para o Estado brasileiro, impactando, especialmente, os órgãos de controle sanitário e a estrutura de saúde civis. Para o EB, essas condições provocaram a imposição de se trabalhar com grande flexibilidade, o que testa diariamente a estrutura militar. Isso acarreta alguns desafios, pois a legislação brasileira que regula a administração pública dificulta a aquisição rápida de materiais necessários para o emprego, assim como impede a mudança da estrutura de pessoal, dificultando o acréscimo de efetivo e a contratação de pessoal técnico em curto prazo.
Ainda, a própria estrutura militar, estabelecida em critérios de hierarquia vertical rígidos, dificulta a ação integrada com algumas agências que trabalham com um sistema mais horizontalizado de chefia e possuem estruturas, por um lado, mais flexíveis e, por outro, menos maduras. Essas diferenças já conhecidas nas Operações Interagências também estão presentes na Operação Vacinação, com o agravante de não serem órgãos de segurança os colaboradores principais, mas os de saúde, com um ethos ainda mais diferente do militar.
Não menos importante, diante da continuidade da operação, as atividades orgânicas do EB seguiram ocorrendo, e as responsabilidades para as ações principais de uma força armada, que são as da defesa, seguiram sendo o principal foco das organizações militares. Somados ao treinamento para a atividade finalística da Força, os diversos encargos administrativos oriundos, inclusive os da própria Operação Covid-19, são aspectos que retiram algumas capacidades do EB para apoiar, da melhor forma, os órgãos de saúde.
Os resultados promissores da vacinação na capital gaúcha, conforme se percebe na figura abaixo, demonstram a efetividade das ações realizadas pelo EB para aumentar as capacidades dos demais órgãos estatais, servindo como possível modelo a ser copiado em todo o País, na busca da retomada da normalidade econômica.
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