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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Por uma geopolítica para a Amazônia: desafios e oportunidade

Ten Cel Medeiros Filho
O presente ensaio visa a registrar impressões percebidas durante o workshop cujo título faz referência, realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx), no dia 18 de setembro de 2019, acrescentado de algumas ideias do autor sobre as questões de defesa e segurança na Amazônia.
Para tanto, buscaremos destacar os desafios no campo da segurança nacional, dividindo-os em duas categorias: os geopolíticos e os securitários. A primeira categoria – geopolítica – refere-se à soberania westfaliana e à função precípua de qualquer força armada: a garantia da integridade territorial do Estado Nacional. No caso específico da Amazônia, diz respeito ao controle e à gestão soberana de seus recursos naturais em meio à cobiça potencial de grandes potências. A segunda – securitária – diz respeito à soberania doméstica e à ameaça de surgimento naquele espaço de “zonas cinzentas”, em que o Estado teria dificuldades de aplicar, de forma efetiva, o monopólio da violência legítima, abrindo espaço para a proliferação de ilícitos de toda ordem e, o que é mais grave, para o aparecimento de poderes paralelos no tecido social.
Em relação às ameaças securitárias, o fator mais preocupante diz respeito à ampliação dos fluxos ilegais de droga, especialmente cocaína, que cruzam a bacia do Amazonas como rota do tráfico para a África e a Europa, especialmente. O tráfico de drogas e a presença do crime organizado transnacional em uma região carente da presença do Estado são muito preocupantes. Além das políticas públicas nacionais, que necessitam de uma Política Nacional de Fronteiras – que seja capaz de sair das intenções para as práticas territoriais –, faz-se necessário, também, a ampliação da cooperação bilateral e regional no campo policial e de inteligência. Nos espaços fronteiriços daquela região, os Estados nacionais já compartilham os problemas, mas não as soluções. Nesse sentido, a concepção do próprio Sistema de Monitoramento das Fronteiras (SISFRON), conduzido pelo Exército Brasileiro, valendo do excepcional relacionamento entre as forças armadas da região, pode ser um bom ponto de partida.
Outro aspecto levantado durante os debates e que de fato merece atenção especial do Governo diz respeito ao papel central que a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) pode ter como arranjo institucional necessário para coordenar políticas regionais, inclusive nos campos da defesa e da segurança, no âmbito da Amazônia internacional (Pan-Amazônia). Esse fato tem ganhado mais relevância nos últimos anos com a desidratação dos arranjos regionais como a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o Conselho de Defesa Sul-americano (seu principal instrumento para a temática aqui discutida). Na falta de um arranjo regional que possa coordenar políticas que extrapolam as fronteiras nacionais, a OTCA figura como um instrumento legítimo e adequado. Para tanto, temas como combate aos ilícitos transnacionais, controle fronteiriço, dentre outros temas securitários, podem ser incluídos na agenda daquela Organização.
No que diz respeito às preocupações geopolíticas, há dois tipos de ameaças que preocupam mais: a) a presença de potências extrarregionais no subcontinente (sendo a presença da China e da Rússia – inclusive com componentes militares – os casos que mais preocupam); e b) a pressão ambientalista internacional tornada evidente especialmente nas falas do presidente francês por ocasião do último encontro do G7. No que tange à primeira ameaça, observa-se um certo ineditismo geopolítico na América do Sul: desde o período de descolonização, o subcontinente não tinha assistido à penetração concomitante de diferentes potências extrarregionais. Aproveitando da fragilidade de países em crise, com vulnerabilidades territoriais, essas potências fazem-se presentes prestando “apoio” político e militar aos países em crise (são exemplos, a participação norte-americana na Colômbia e a russa e chinesa na Venezuela). O risco dessa presença na região reside no fato de que o entorno estratégico se transforma em tabuleiro do jogo geopolítico global. Nesse sentido, já não somos mais periferia, com todas as consequências negativas que isso pode vir a trazer, especialmente o risco de fratura regional (e pensar que, ao longo das duas últimas décadas, o Brasil dedicou a maior energia de sua política externa na tentativa de uma comunidade sul-americana de nações).
Com relação à pressão ambientalista internacional, constata-se que não é algo novo. Há décadas se tem registrado, por meio da impressa e de declarações de autoridades políticas de países desenvolvidos, narrativas que apontam para a iminência de ameaças à segurança ambiental internacional advindas da “exploração” da Amazônia. Em agosto deste ano, dois eventos contribuíram para elevar esse debate. O primeiro foi a publicação do artigo Who Will Invade Brazil to Save the Amazon?” (Quem irá invadir o Brasil para salvar a Amazônia, em tradução livre), de autoria de Stephen Walt, na revista Foreign Policy. Nele, Walt apresenta um ensaio teórico sobre a pertinência de intervenção internacional para prevenir catástrofes ambientais usando como estudo de caso a Amazônia brasileira. A discussão central diz respeito à capacidade dos Estados se manterem independentes diante da pressão ambiental internacional. A conclusão do autor é preocupante: por não possuir uma capacidade dissuasória crível, o Brasil se tornaria vulnerável àquelas pressões.
O segundo evento refere-se a inclusão do tema “queimadas na Amazônia” na reunião do G7, realizada entre os dias 24 a 26 de agosto de 2019, na cidade de Biarritz, na França. Na ocasião, o atual presidente da França chegou a sugerir a possibilidade de atribuição de um status internacional à Amazônia “caso algum Estado soberano tomasse decisões que se opusessem ao interesse de todo o Planeta”.
Para além da pertinência de preocupações sinceras sobre riscos ambientais advindos do desenvolvimento das atividades humanas, do ponto de vista de uma geopolítica brasileira, o que se percebe é o risco de que por trás da “defesa pelo bem-comum” residem interesses do mercado internacional de commodities que buscariam, num primeiro momento, “demonizar” a imagem de produtos agropecuários brasileiros, com o objetivo de (re)conquistar mercado, e, em um segundo momento, criar obstáculos para  a gestão soberana de espaços nacionais por meio de ações de “neutralização territorial”, como a criação de áreas ecológicas de preservação ambiental com gestão internacional – direta ou indireta.
Diante das ameaças de natureza geopolíticas, mais uma vez a OTCA aparece como o constructo regional adequado para administrar essa questão. Devemos lembrar que o debate central em termos do estabelecimento do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) dizia respeito à manutenção soberana dos países amazônicos. O TCA mostra-se como o melhor antídoto para coibir uma espécie de “manobra da internacionalização”, na medida em que reservava aos países “condôminos” a responsabilidade exclusiva pelo destino da região.
Essa questão torna-se ainda mais relevante quando se observa iniciativas entre países da região que sugerem a criação de novos arranjos internacionais para gestão da Amazônia, ignorando “solenemente” o papel já desempenhado pela OTCA.
Por fim, pode-se afirmar que um dos aspectos debatidos no workshop e que revelou unanimidade entre os presentes foi a revalorização da OTCA como mecanismo de exercício da soberania nacional. Em sua concepção, a OTCA revela um dos traços da cultura estratégica brasileira, herdada dos portugueses: o cuidado cioso de seu território e a ideia de autonomia estratégica, que busca soluções autóctones e tende a rejeitar propostas de compartilhamento internacional de gestão territorial que extrapole a presença das nações amazônicas.
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