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quarta-feira, 22 de maio de 2019
Para pensar a transformação do Exército
Prof. Dr. Augusto W. M. Teixeira Júnior
A transformação do Exército tem sido, ao longo da presente década, um importante norte para pensar, planejar e realizar o futuro da Força. A expressão tem sido utilizada em documentos nacionais orientadores de política, estratégia e doutrina. Contudo, ao longo de quase uma década, desde o início do processo de transformação, o que podemos aprender com a nossa experiência em perspectiva comparada? Desde que a primeira versão da Estratégia Nacional de Defesa colocou como missão elevar o patamar das Forças Armadas, cada Força apresentou a sua concepção de mudança militar: a Marinha do Brasil priorizou a modernização, o Exército Brasileiro optou pela transformação e a Força Aérea adotou um programa de reorganização. Sem que esteja claro se, e como, o Ministério da Defesa (MD) realiza efetivo controle e coordenação, cada Força possui concepções distintas sobre o estágio final de seu processo de mudança e cada uma realiza, de forma independente, seu processo de modernização, transformação ou reorganização. Não obstante o modelo de gestão da defesa no Brasil logre garantir um elevado nível de autonomia e espaço de barganha entre as Forças e o MD, experiências estrangeiras demonstram que esse modelo é inepto para fins de promover uma transformação militar. Casos de países como os EUA, a Rússia e a China deixam claro que não se produz transformação militar com uma força singular, mas através do lento desenvolvimento de uma força conjunta, caracterizada por um elevado grau de interoperabilidade e capacitada a operar com sinergia em todos os domínios e as dimensões da guerra. Um primeiro aprendizado que destacamos consiste na dimensão política da transformação: nos casos analisados, observou-se a busca pela coordenação entre objetivos de grande estratégia e a expressão do poder militar. Os EUA subordinaram sua Terceira Estratégia de Compensação (Third Offset Strategy) ao objetivo de manter sua superioridade militar e de moldar o espaço de batalha do futuro; a Rússia guiou-se pelo objetivo de assegurar a integridade de sua esfera de influência e de reposicionar o país como grande potência; a China guia sua transformação com fins de converter-se numa potência marítima com capacidade de realizar a guerra informatizada. Nos casos em tela, foi buscada a convergência nas mudanças planejadas para cada segmento das Forças Armadas no sentido de produzir uma força conjunta. Essa finalidade foi perseguida através do engajamento direto da liderança política (Chefe de Governo e Ministro da Defesa) agindo para manter a coerência entre objetivos nacionais, sentido desejado do poder militar e da superação de rivalidades entre as Forças. Como qualquer instituição robusta, dotada de cultura burocrática forte, tendências de conservadorismo institucional demandam superiores hierárquicos independentes para quebrar resistências. Nesse quesito, os presidentes Obama, Putin e Jinping agiram não só no sentido de colocar em pauta a agenda da transformação, mas conferiram lastro para que instâncias ministeriais adotassem medidas divergentes de interesses de forças singulares. Um segundo aprendizado consiste na importância da reforma organizacional. Mais do que a dotação das Forças de mais e melhor tecnologia, as reformas militares e das organizações da defesa aparentam conduzir a condições necessárias para a efetiva transformação. Nos três casos, a mudança de valor do principal tipo de unidade de combate – a chamada “brigadização” – conduziu não apenas a experimentação organizacional, mas também de meios/tecnologias e de racionalização de recursos no campo doutrinário. É importante clarificar que o aprendizado não foi linear: os EUA apostaram em opções de brigadas como principais unidades modulares; a Rússia iniciou a substituição de divisão por brigadas, mas recentemente tem voltado atrás; a China aposta na experimentação nos moldes de brigada, mas com ênfase em batalhões. Não obstante a pluralidade das experiências, todos os casos apresentaram uma tentativa em comum: a criação de mecanismos fixos para promover interoperabilidade entre as Forças. Ao lado dos conhecidos Comandos Conjuntos dos EUA (Ex. US Unified Combatant Commands), Rússia e China criaram Comandos Conjuntos no nível de teatros regionais. Apesar de recentes, dão fortes sinais sobre o papel da interoperabilidade no modelo de força desejada. Um terceiro aprendizado, no campo da tecnologia, deriva seus ensinamentos dos aportes de reforma organizacional. Os três países buscaram responder ao difícil dilema da balança homens/tecnologia. Os EUA com uma expressiva força expedicionária e a Rússia e China com efetivos militares significativos – em comparação com o padrão OTAN. Todos sentiram o impacto da necessidade de manter não apenas a prontidão operacional, mas também de elevar a razão de sistemas de armas modernos em face de armamentos em estágio de obsolescência. Esse aprendizado reforça a ideia de que incremento substantivo de poder de combate pela tecnologia caminha ao lado de reformas organizacionais como base da transformação militar. Um quarto aprendizado pode ser encontrado na dimensão da doutrina. Nos casos analisados, a evolução doutrinária ocorreu não em função de novas tecnologias ou capacidades, mas como resposta a problemas ligados ao preparo e emprego da Força no mundo real ou em cenários plausíveis. Conceitos operacionais e doutrinas, tais como as “Operações Multidomínio” (EUA), “Guerra Híbrida” (Rússia) ou “Guerra Informatizada” (China), são desenvolvidos em consonância não apenas com capacidades que se almejam, mas também com uma compreensão sólida sobre o caráter mutante das operações militares no século XXI. Tão importante quanto esse aprendizado é a observação sobre a relevância do desenvolvimento de respostas pela assimetria como complemento aos meios de força convencionais. Dentre esses, destacamos os sistemas de antiacesso e negação de área (A2/AD). As experiências e lições discutidas nessa reflexão são parte do produto de estudos conduzidos pela linha de pesquisa de “Geopolítica e Estratégias Militares” ao longo de 2018 no Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx). A investigação permitiu refletir sobre as possibilidades de transformação militar no Brasil e, em particular, do Exército Brasileiro. O prolongado período de crise política, econômica e social, acompanhado da retração internacional do País lançam dúvidas sobre quais os objetivos nacionais a que servirá a transformação. Afinal, qual cenário de emprego se mostrará desejável nos próximos anos: combate ao crime organizado ou a preparação para a competição geoestratégica convencional no Entorno Estratégico brasileiro? Ambos os cenários são legítimos como opções políticas, porém, ensejam modelos de força e balanceamento de recursos diametralmente opostos. Dada a complexidade dos desafios e do poder militar na contemporaneidade, se faz cada vez mais difícil operar com qualidade em todos os espectros de operações. Essas respostas poderão direcionar o caminho sobre quais capacidades de fato necessitamos. O mundo caminha novamente para a plausibilidade da guerra convencional interestatal.
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