Urge entender as razões para que o Brasil disponha de Forças Armadas bem equipadas
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Comandante das Forças |
Eduardo Villas Bôas _ Comandante do Exército Brasileiro
O Estado de S.Paulo
O Brasil é um país onde não existe
percepção clara de ameaças à sua soberania e aos seus interesses. Neste
cenário, o tema Defesa torna-se abstrato perante a consciência nacional,
absorvida por uma crua realidade de desigualdades sociais e econômicas.
A consequência direta dessa faceta
cultural traduz-se no pequeno apelo que a Defesa, tradicionalmente,
exerce entre alguns setores da sociedade.
Urge, portanto, entender as
insofismáveis razões para que um país com as características do Brasil
disponha de Forças Armadas adequadamente equipadas. Essa compreensão só
pode ser alcançada ao identificarmos, com clareza, as funções da Defesa.
A primeira função da Defesa é a
dissuasão, verdadeiro seguro que uma nação paga para garantir a
soberania, a integridade territorial e a proteção da população. Trata-se
de efeito psicológico a ser produzido sobre eventuais opositores, que
os inibe de realizar qualquer atividade belicosa, ao considerarem a
capacidade de reação de um país a uma agressão externa.
A existência de uma base industrial de
defesa e a manutenção de Forças Armadas modernas, estrategicamente
desdobradas, proporcionam consistência à capacidade dissuasória.
A história é rica em exemplos das
consequências desastrosas da negligência nesse campo. O Brasil cometeu
esse erro ao assistir, passivamente, ao Paraguai tornar-se potência
militar, enquanto contávamos com apenas 18 mil homens precariamente
equipados. Tal conjuntura encorajou Solano López a invadir nosso
território, dando início ao maior conflito armado sul-americano.
Embora uma ameaça internacional ao nosso
país não seja de fácil percepção, observa-se que o Brasil possui
riquezas incomensuráveis em seu subsolo, a biodiversidade amazônica, os
recursos energéticos do pré-sal e a capacidade hídrica do Aquífero
Guarani. Para demover qualquer intento estrangeiro em terras
brasileiras, faz-se necessário contar com a apropriada capacidade de
dissuasão.
A segunda função provém de uma visão
sistêmica que passou a prevalecer após a queda do Muro de Berlim, quando
a Defesa deixou de restringir-se à preparação para fazer face a um
inimigo. Desde então as Forças Armadas devem estar, permanentemente,
aptas a atender a múltiplas exigências da sociedade.
No Brasil, salientam-se demandas por
infraestrutura para a integração regional, por segurança e pelo
atendimento a catástrofes que têm recebido o nosso suporte
incondicional.
O agravamento da situação da segurança
pública tem levado o governo federal a utilizar as Forças Armadas para
intervir em unidades da Federação. Recentemente, atuamos no Rio Grande
do Norte; no Distrito Federal, para salvaguardar patrimônio público; no
Espírito Santo, durante a greve da Polícia Militar; por diversas vezes
no Rio de Janeiro, onde, atualmente, participamos da intervenção
federal, culminando com o emprego, em todo o território nacional,
durante a greve dos caminhoneiros.
A terceira função da Defesa advém da
capacidade de contribuir com o desenvolvimento nacional. Projetos
estratégicos, como o submarino nuclear, o programa FX-2 e a defesa
cibernética, incrementam as áreas científicas e tecnológicas, geram
empregos e produzem riqueza.
A indústria de defesa é responsável por
mais de 60 mil empregos diretos e 240 mil indiretos, responde por 4% do
PIB nacional e exporta mais de R$ 4,7 bilhões anualmente.
Os programas estratégicos de defesa
foram estruturados em função de uma demanda inadiável, sinalizada pelas
Forças Armadas a sucessivos chefes de Estado. A falta de previsibilidade
e regularidade na alocação dos recursos orçamentários vem ameaçando a
continuidade desses projetos.
A quarta função da Defesa é contribuir
para a projeção internacional do Brasil. Atualmente, no bojo das
relações internacionais, consagrou-se o que pode ser chamado de
“diplomacia militar”. Trata-se de intenso intercâmbio entre Forças
Armadas, desde a convencional troca de adidos até intercâmbios de cursos
e estágios de especialização, em diferentes níveis e áreas de atuação.
O Brasil assume importante protagonismo
ao exercer comandos operacionais, enquadrando tropas de países de
diversas partes do mundo em operações conjuntas multinacionais.
Neste contexto, destaca-se a operação
Amazonlog, realizada na tríplice fronteira de Tabatinga, em 2017.
Tratou-se de uma operação multinacional, com a presença de assessores e
especialistas de 23 países e de tropas do Peru e da Colômbia, dentro de
um quadro de operações humanitárias. Em Roraima, as Forças Armadas, por
meio da Operação Acolhida, estão aplicando as experiências obtidas
naquela oportunidade, num trabalho considerado modelo pelas Nações
Unidas.
As operações, sob a égide de organismos
internacionais, têm sido vetor importante de projeção do País. Desde a
2.ª Guerra Mundial o Brasil participou de missões em países como
Moçambique, Angola, Líbano, entre outros. Ressalta-se a participação
brasileira no Haiti, onde constituímos o mais numeroso componente
militar e detivemos o comando de toda a operação durante 13 anos.
Finalmente, a quinta função da Defesa
contribui para a guarda da identidade nacional, na medida em que nossas
Forças Armadas estiveram presentes nos momentos cruciais do País e da
construção da nacionalidade brasileira. Esse fato respalda as recentes
pesquisas de opinião que nos colocam em primeiro lugar nos índices de
confiabilidade entre todas as instituições nacionais.
As ideias constantes deste artigo foram
apresentadas aos candidatos à Presidência da República, de quem tivemos
excelente acolhida. Isso nos dá a esperança de que a defesa nacional
venha a ser debatida na presente campanha eleitoral, junto com outros
tópicos relevantes, tais como o restabelecimento de um sentido de
projeto para o País e o papel que o Brasil deve cumprir na América
Latina e no mundo.
* EDUARDO VILLAS BÔAS É COMANDANTE DO EXÉRCITO