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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Caixa de Pandora: não abra.

 Coronel  Swami de Holanda Fontes
Artigo do EBLog - o blog oficial do Exército Brasileiro.

Entre as diversas histórias sobre a origem da humanidade, há a versão da mitologia grega, que descreve a criação do homem por Zeus e pelos irmãos titãs Prometeu (o que pensa antes) e Epimeteu (o que pensa depois). Segundo a lenda, Zeus ordenou que Epimeteu criasse os animais e que Prometeu criasse o homem. Zeus determinou, ainda, que Prometeu não entregasse o fogo aos homens.
Enquanto Epimeteu era inconsequente, deixando os problemas ocorrerem para depois solucioná-los, Prometeu, ao contrário, avaliava a situação antes de tomar a decisão, antecipava-se aos fatos e era proativo. Contudo, com o objetivo de garantir a segurança do homem, Prometeu arriscou-se e lhe entregou o fogo.
Para se vingar de Prometeu, Zeus o condenou a ficar, eternamente, amarrado ao cume de um penhasco, onde um abutre comia seu fígado durante o dia. À noite, o órgão se regenerava, numa rotina sem fim. Zeus também decidiu punir os homens, criando Pandora para ser esposa de Epimeteu. Ela possuía alguns dons: inteligência, beleza e bondade; mas um grave defeito: curiosidade. Com Pandora, seguiu-se um presente de casamento – uma caixa contendo todos os males do mundo e a recomendação de que nunca fosse aberta.
Prometeu alertou Epimeteu para não se casar com Pandora e não abrir a caixa. Mas sua curiosidade fez com que a abrisse, espalhando todos os males pela humanidade. Ao perceber o que Epitemeu havia feito, Pandora fechou a caixa, deixando, no fundo, a esperança. Essa passagem resultou no famoso ditado “a esperança é a última que morre”.
A narração sobre a criação do homem pode ter várias versões, como a do trecho bíblico de Adão e Eva, e ser interpretada de diversas maneiras. Mas, para fins de reflexão, interessa destacar as ações de antecipação, prevenção, correção e reparação. É nessa concepção que devem ser trabalhados a inteligência, o assessoramento jurídico, o planejamento, o experimento, o preparo, o treinamento, a decisão, entre outros assuntos.
Uma boa série de informações para a montagem de conjunturas e cenários possibilita que o assessoramento seja o mais adequado possível e que a decisão esteja mais próxima da correta, ou que seja a mais acertada. Assim, por meio do apoio de pessoas especializadas, pode-se formar um grupo de assessoramento com a finalidade de subsidiar quem tem o poder de decidir.
Nas Forças Armadas, um desses grupos é o Estado-Maior, cuja origem de sua organização remonta à época das guerras da Revolução Francesa, em 1795. Ele está organizado em células, que são responsáveis por uma área específica: pessoal, inteligência, operações, logística, entre outros assuntos de interesse. Baseado nas informações e nas propostas dos assessores e especialistas, o chefe ou comandante toma a melhor decisão.
A célula de inteligência é muito importante na tomada de decisão. De acordo com o manual do Ministério da Defesa “Doutrina de Operações Conjuntas”, 1º volume, a Inteligência tem como finalidade “assessorar o processo decisório de autoridades políticas e militares, além de apoiar o planejamento e a condução de operações militares nas situações de paz, crise ou conflito. Seu objetivo é a difusão de conhecimentos oportunos, adequados, precisos e confiáveis, em conformidade com os interesses políticos, estratégicos, operacionais e táticos”.
Segundo esse manual, para ser eficaz, “a Inteligência deve ser apoiada por uma ampla gama de informações, englobando os fatores políticos, econômicos, científico-tecnológicos, psicossociais, e as questões militares. A integração de todas as fontes de informação e inteligência no processo de produção de conhecimentos possibilita a eficácia do sistema”.
Para que se possa entender o que está ocorrendo, quais atores envolvidos e as relações entre eles, não é necessário ser um deus ou titã. O mais importante é ter, em primeiro lugar, a visão do todo, como se estivesse em um observatório no Monte Olimpo, para, em seguida, discutir os detalhes.
Avaliar a conjuntura, como fez Prometeu ao analisar os riscos que sua criação correria sem a posse do fogo, é uma atividade permanente. Ela tem por finalidade identificar as ameaças e oportunidades que implicam o emprego da proteção, gerando hipóteses de defesa (ou de emprego). Essa avaliação é um processo cartesiano de conhecimento dos fatos passados e presentes; de sua provável evolução nacional e internacional; e de identificação de possíveis oportunidades, ameaças, vulnerabilidades e áreas geográficas de interesse.
Analisando-se o passado e o presente, é possível que não se consiga prever o futuro, mas que se permita levantar possibilidades de futuros plausíveis, conhecidos como cenários prospectivos. Conhecendo Zeus, Prometeu visualizou que Pandora poderia ser um indício de mau acontecimento, apesar de sua beleza. A deusa era uma possibilidade plausível de ameaça. Contudo, mesmo alertado por seu irmão, Epimeteu decidiu correr o risco, não considerando os laços sanguíneos e não percebendo que Prometeu estava se arriscando para protegê-lo.
Assim como Prometeu, que se arriscou para proteger seu irmão e os homens, o trabalho do assessor também envolve risco e tem um alto preço. As orientações transmitidas podem não agradar, uma vez que o decisor pode interpretar certos assessoramentos como mais pessimistas do que realistas.
Enfim, no mundo real, existem inúmeras tentações, dissimuladas pelas “belezas sedutoras e facilidades”, que não dão margem para que os danos se regenerem. Assim, fica a reflexão: o assessoramento não deve ser oferecido com o intuito de agradar, mas para atender à demanda de forma realista. No caso de uma decisão mal tomada, ao final, só restará a esperança. Prometeu cumpriu seu papel, foi reconhecido e libertado do sofrimento por Hércules. Então, a exemplo da mitologia, podemos ter esperança, mas, pode-se contar com a sorte?
Coronel Fontes_ Chefe da Seção de Operações da Divisa de Planejamento e Gestão do Centro de Comunicação do Exército Brasileiro
 O Cel Fontes é o chefe da Seção de Operações da Divisão de Planejamento e Gestão do Centro de Comunicação Social do Exército. Oficial de Artilharia oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras, possui capacitação em Planejamento Estratégico Organizacional, especialidade em Bases Geo-Históricas para Formulação Estratégica, mestrado em Operações Militares e mestrado em Ciências Militares. Ainda, possui os cursos de Comando e Estado-Maior, Básico Paraquedista e Básico de Inteligência, todos no Brasil. No exterior, especializou-se em Inteligência Estratégica no Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas e em Segurança Militar Nacional e Comando na Universidade de Defesa Nacional da China. Foi analista de inteligência do Ministério da Defesa, comandou os Grupos de Operações de Inteligência da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cristalina/GO e da 16ª Brigada de Infantaria de Selva em Tefé/AM, o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva do 3º Grupo de Artilharia de Campanha - Regimento Mallet, em Santa Maria/RS, o curso de Artilharia da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais no Rio de Janeiro/RJ e o 7º Grupo de Artilharia de Campanha - Regimento Olinda, em Olinda/PE.

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