Por General Ex Ref Alberto Mendes Cardoso
A pirâmide da criminalidade
O enfrentamento da deteriorada situação da segurança pública no Brasil não pode se preocupar isoladamente com a investigação e a repressão do crime e do criminoso sem considerar o conjunto da criminalidade e sua dinâmica própria – que inclui as causas, o tipo de controle social formal e informal exercido nos cantões da sociedade, as circunstâncias de periculosidade que antecedem os crimes e a maneira adequada de preveni-los. Há que tratar de um todo indivisível; um ciclo perverso com características de sistema, que, por isso mesmo, tem que ser combatido sistemicamente com um amplo espectro de políticas e estratégias sociais e criminais, segundo uma mesma matriz criminológica que contemple a prevenção e a repressão rigorosa sem trégua. A prevenção comporta a primária, essencialmente educativa, de base fortemente axiológica; a secundária, fruto da dissuasão pela eficiência policial e judicial; a terciária, de ressocialização dos apenados e jovens em conflito com a lei; e a vitimária, para redução dos desdobramentos sociais dos efeitos do crime sobre as vítimas.
O enfrentamento da deteriorada situação da segurança pública no Brasil não pode se preocupar isoladamente com a investigação e a repressão do crime e do criminoso sem considerar o conjunto da criminalidade e sua dinâmica própria – que inclui as causas, o tipo de controle social formal e informal exercido nos cantões da sociedade, as circunstâncias de periculosidade que antecedem os crimes e a maneira adequada de preveni-los. Há que tratar de um todo indivisível; um ciclo perverso com características de sistema, que, por isso mesmo, tem que ser combatido sistemicamente com um amplo espectro de políticas e estratégias sociais e criminais, segundo uma mesma matriz criminológica que contemple a prevenção e a repressão rigorosa sem trégua. A prevenção comporta a primária, essencialmente educativa, de base fortemente axiológica; a secundária, fruto da dissuasão pela eficiência policial e judicial; a terciária, de ressocialização dos apenados e jovens em conflito com a lei; e a vitimária, para redução dos desdobramentos sociais dos efeitos do crime sobre as vítimas.
Convém ter em mente que as organizações
criminosas a serem derrotadas conformam uma pirâmide – a pirâmide da
criminalidade urbana. O vértice é ocupado pelas chefias e staffs
de gerentes, conselheiros e lavadores de dinheiro – a quadrilha. Ali
estão pessoas que precisam vitalmente manter a fachada de legalidade
para dar permanência à organização e, assim, potencializar a capacidade
de ganhar poder e ativos ilegais. Parte desses tem de ser “branqueada”,
para maquiar a fachada de legalidade. A outra parte, suja, desce para
financiar o nível intermediário da pirâmide – bandos que não lavam
dinheiro porque não necessitam de disfarces legais e até mesmo se
exibem, ostentando juvenilmente a aparência de poder, com seus modernos
fuzis automáticos. Esses bandos são a face visível da violência e do
controle social das comunidades em que se imiscuem. Disputam essas áreas
– atualmente, já em âmbito nacional – e as mantêm ferrenhamente na
guerra constante entre facções rivais, que, em muitos casos, são
financiadas pela mesma quadrilha que encima a organização. Eles
asseguram o retorno do dinheiro sujo para o topo, multiplicado; são
recursos obtidos, na quase totalidade das situações, com o atacado ou
varejo das drogas ilegais.
Como se pode concluir, a lucratividade
do negócio sujeita-se diretamente à sua ilegalidade e à inexistência de
uma política consistente de educação das crianças e dos adolescentes
sobre os malefícios das drogas. Aí está o moto-contínuo do quase total
da criminalidade urbana no nosso País: a demanda crescente por drogas
ilegais e a alta rentabilidade do tráfico. Tempo estimado para quebra do
ciclo perverso: os vinte ou vinte e cinco anos que permeiam da infância
à juventude a geração beneficiada primeiramente.
O combate ao crime nesses dois patamares
– o topo e a seção intermediária – tem de ter duas marcas: atividade
permanente e pertinaz de inteligência e repressão implacável. Contra o
cume, deve preponderar a inteligência financeira, em trabalho conjunto
do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF), da Receita
Federal, do Banco Central, da Polícia Federal, da Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN), do Judiciário e dos Ministérios Públicos da União e
dos estados. A metodologia desenvolvida pela Operação Lava Jato garante
êxito nesse labor contra as quadrilhas do topo. Contra o nível
intermediário, a inteligência e a repressão policiais são os
instrumentos garantidores de eficácia. É aí que ocorrerá o emprego
eventual das Forças Armadas e, por isso, é conveniente que elas
acompanhem as ações policiais, a fim de se manterem em dia com situações
nas quais poderão vir a ser empregadas, como na intervenção no Rio de
Janeiro.
O entendimento da realidade desses dois
segmentos da criminalidade não estará completo sem a percepção do papel
da corrupção para a continuidade do seu funcionamento. Corrupção visando
às fraudes em setores do sistema financeiro na “legalização” dos ativos
ilegais; corrupção para cooptar agentes do Estado, garantindo
facilidades e impunidade. Logo, no enfrentamento da violência, devem ser
conduzidas investigações paralelas pelas corregedorias de polícia
independentes, Ministério Público, controladorias e comissões de ética,
enfim, por todos os órgãos com atribuição de qualquer tipo de controle
externo sobre instituições e pessoas, quando haja indícios de
improbidade. Quanto à prevenção da criminalidade nesses setores da
pirâmide, resta raciocinar apenas com a secundária, dissuasória, por
meio da almejada eficácia do controle fiscal, da repressão e da justiça
penal (“Não cometerei delitos porque é alta a probabilidade de ser preso
e condenado”).