terça-feira, 13 de setembro de 2022

Sua liderança é country club ou do tipo que sacrificaria os peões para salvar o rei?

Por Coronel Swami de Holanda Fontes

O xadrez é um jogo de estratégia em que dois contendores movem 32 peças em um tabuleiro de 64 casas. Um jogador possui oito peões, duas torres, dois cavalos, dois bispos, uma rainha e um rei, na cor branca, e o outro possui as mesmas peças, na cor preta. Cada peça pode ser movimentada, sendo a rainha a de maior capacidade, e o peão, a de menor valor.

No transcorrer das jogadas, é comum que peças sejam sacrificadas, normalmente os peões, seja para proteger o rei, seja para se chegar ao objetivo do jogo, que é a captura do rei adversário, deixando-o sem opções de movimento – o chamado xeque-mate.

Para quem observa a partida, verifica-se as fisionomias impassíveis dos jogadores, que planejam seus lances sem emoção, não possuindo o menor sentimento em imolar o que for necessário para que o objetivo seja alcançado; afinal, as peças perdidas são meramente objetos inanimados.

Ao transpor esse jogo para a vida real, como agiríamos para alcançar um objetivo? O que estaria em primeiro lugar: as pessoas ou o cumprimento da missão? Como achar o equilíbrio? Como liderar?

Etimologicamente, a palavra liderança vem do acervo inglês “to lead” e sua origem é documentada desde o ano de 825; nessa época, ela significava conduzir, dirigir, comandar, persuadir, encaminhar, chefiar etc. A língua portuguesa só incluiu a palavra “liderança” na segunda metade do século XIX, quando incorporou o radical “líder” na sua morfologia, tendo como significado chefia, comando, encabeçamento etc.

Sob diversas abordagens, alguns trabalhos enfocam o assunto liderança do ponto de vista da aplicação, ou seja, de acordo com os efeitos no gerenciamento de empresas, na sociedade, na política, na religião, na atividade militar etc. Outros estudam as causas, procurando entender a sua origem e levantando os motivos que levam um indivíduo a se tornar um líder.

Para os ramos da ciência como a Psicologia, a liderança é um processo de estímulo pelo qual, baseado em ações recíprocas e bem-sucedidas, as diferenças individuais são controladas visando beneficiar uma causa comum. Para a Sociologia, por sua vez, o termo é definido como a capacidade e o poder de inspirar, guiar e atuar sobre grupos.

Tendo como base a etimologia da palavra, assim como os conceitos genéricos da Psicologia e da Sociologia, e acompanhando a evolução do estudo sobre liderança, pode-se dividir o tema em duas visões: a que vincula a liderança aos atributos pessoais e a que subordina o líder à dinâmica de grupo, ou seja, a uma função organizacional.

No que se refere aos atributos pessoais, predominou, no passado, a teoria inatista, ou individualista, que se baseou na hereditariedade, isto é, na genética. Segundo essa teoria, o homem já nasce com o dom e com o atributo da personalidade, que o coloca em uma posição de destaque perante os demais. Além disso, ele não aprende a ser líder; o meio em que vive não o influencia; e a sociedade não o ensina ou o instrui; simplesmente, a liderança que exerce lhe é inerente por natureza. No entanto, essa teoria foi abandonada por não conseguir explicar a perda da liderança, ou seja, a temporariedade que pode ocorrer em diversas situações com o líder inatista.

A visão da subordinação do homem ao grupo é fruto do movimento gestaltista (formalista), que pode ser dividido em teoria sociológica e do campo social.

Na teoria sociológica, a liderança é o resultado do meio de convivência em um determinado momento. Diferentemente do líder inato, nessa teoria, o homem é a consequência do grupo social a que pertence. É influenciado, troca ideias e interage com a coletividade, conquistando a liderança por reproduzir ou retratar o espírito da comunidade, do grupo de trabalho etc. Porém, essa teoria, da mesma forma que a inatista, não é completa, pois não explica o porquê somente alguns poucos conseguem exercer a liderança.

Possivelmente, por ser a mais completa, a teoria do campo social explica que o homem angaria a liderança como resultado de sua integração com os liderados. Por meio de uma intensa participação no grupo social e demonstrando suas capacidades, o líder, em harmonia com os ideais da coletividade e possuindo alguns traços psicológicos comuns ao grupo, obtém o prestígio perante os demais.

Comparando a ênfase que o líder emprega para o cumprimento da missão com o interesse pelo homem, os norte-americanos Robert R. Blake e Jane S. Mouton classificaram a liderança da seguinte forma:

- Liderança 1.1 (gerência empobrecida), caracterizada pelo líder omisso e sem ânimo, que se limita a fazer o que é determinado, exigindo o mínimo suficiente para evitar o descrédito da organização e não se preocupando com o homem ou com a missão. O líder adota um comportamento de neutralidade e não se envolve, pois seu pensamento é de que nada vê, nada escuta e nada tem a dizer.

- Liderança 1.9 (gerência de country club), quando o líder demonstra pouco empenho na ação de guiar seus liderados para a consecução dos objetivos; no entanto, propicia uma atmosfera agradável e amistosa na organização. Seu comportamento é caracterizado pela preocupação em estar de bem com todos, buscando a aprovação de suas ações e estando sempre prestativo e solícito.

- Liderança do tipo 5.5 (gerência de meio termo), referente ao líder que tenta obter resultados satisfatórios com o balanceamento entre as obrigações de trabalho e a manutenção do moral em nível razoável. O líder nesse enquadramento não se expõe, é precavido e procura representar ser boa figura.

- Liderança 9.1 (gerência de tarefas), atinente ao líder que busca o cumprimento da missão, tratando os subordinados apenas como executantes e minimizando a interferência dos fatores humanos. O líder é seguro de suas ações, gosta de surpreender alguém errado, não vacila e gosta de dominar e estar em vantagem.

- Liderança 9.9 (gerência em equipes), identificada no momento em que o cumprimento da missão depende do empenho de cada um; o interesse comum para atingir os objetivos gera uma interdependência que se traduz em relações de confiança e respeito dentro da organização. O líder procura coincidir a satisfação pessoal na realização de um trabalho com o cumprimento da missão.

Os dois casos a seguir se enquadrariam em qual tipo de liderança?

-Há aproximadamente 2.000 anos, em uma época em que os meios de comunicação eram, praticamente, inexistentes, surgiu um grande líder religioso, arrastando multidões de forma espontânea e conseguindo perdurar seus pensamentos e seguidores até os dias atuais. Seu trabalho de pregar o amor, o arrependimento e o perdão foi fortemente centrado no homem. Na relação missão x homem, houve uma grande preocupação com a vida dos outros, menos com a dele própria.

-Por outro lado, no século passado, o povo alemão iniciou a Segunda Guerra Mundial por intermédio de um líder que conduziu seus liderados como tropas militares, fortemente disciplinadas. A obediência cega e absoluta ao chefe era perceptível pela demonstração de força e pela forma como atacavam os adversários políticos. Até hoje, ainda há pequenos grupos de seguidores que o admiram. Ao buscar tornar a Alemanha um grande país, desconsiderou o valor da vida.

Uma proposta para reflexão: até que ponto, no dia a dia, você estaria disposto a sacrificar seus liderados para bem cumprir a missão?

Voltando ao xadrez, uma curiosidade sobre o peão é que ele pode se tornar um bispo, um cavalo, uma torre e até uma rainha, caso consiga alcançar um dos lados do tabuleiro. É possível que nesse momento o poder relativo de combate dos jogadores se alterne drasticamente.

Enfim, o peão pode virar o jogo!

SOBRE O AUTOR

O Cel Fontes é Oficial de Artilharia oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras. Possui os seguintes estágios e cursos pelo Exército Brasileiro: estágios de comunicação social, de Escalador Militar e de Operações Psicológicas, capacitação em Planejamento Estratégico Organizacional, especialização em Bases Geo-Históricas para Formulação Estratégica, mestrado em Operações Militares e mestrado em Ciências Militares, cursos de Comando e Estado-Maior, Básico Paraquedista e Básico de Inteligência Militar. Na Agência Brasileira de Inteligência realizou o curso de Noções do Fenômeno Terrorismo e na Escola Superior de Guerra, o Curso de Extensão de Doutrina de Operações Conjuntas. No exterior, especializou-se em Inteligência Estratégica no Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas; em Segurança Militar Nacional e Comando na Universidade de Defesa Nacional da China; em Doutrinação Política em Comunicação Social e em Operações em Comunicação Social, estes dois últimos cursos realizados na escola da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Alemanha. Foi analista de inteligência do Ministério da Defesa e analista de Contra-Inteligência no Centro de Inteligência do Exército. Comandou os Grupos de Operações de Inteligência da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cristalina/GO e da 16ª Brigada de Infantaria de Selva em Tefé/AM, o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva do 3º Grupo de Artilharia de Campanha - Regimento Mallet, em Santa Maria/RS, o curso de Artilharia da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais no Rio de Janeiro/RJ e o 7º Grupo de Artilharia de Campanha - Regimento Olinda, em Olinda/PE. Foi Chefe da Seção de Operações e Chefe da Divisão de Relações Públicas do Centro de Comunicação Social do Exército. Atualmente é o Chefe do Estado-Maior da 7ª Divisão de Exército em Recife/PE.

jornalismoimparcial@gmail.com


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