quinta-feira, 24 de março de 2022

Voltando a falar de operações de paz: o Exercício VIKING 2022

 

Cel Rodrigo de Carvalho Bernardo
Eblog do Exército Brasileiro

Os últimos acontecimentos no Leste Europeu e o recente conflito bélico desencadeado evidenciam a necessidade, para qualquer Estado, de manter suas Forças Armadas em permanente condição de emprego, com capacidades compatíveis para cumprirem suas missões precípuas de defender o território, o povo e a nação. Distantes do teatro de operações europeu, brasileiros observam e analisam o conflito, colhendo ensinamentos táticos, logísticos, tecnológicos, entre outros, ao mesmo tempo em que aguardam a urgente solução da contenda, seja por meio da diplomacia ou, ainda, pela ação de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

A habilidade e a capacidade da ONU para encontrar soluções para distintos conflitos são indiscutíveis. Por meio de seus órgãos constituintes, como o Conselho de Segurança e o Secretariado, o organismo internacional, ao longo dos anos, logrou “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (trecho do preâmbulo da Carta das Nações Unidas).

As operações de missões de paz constituem-se em uma das mais efetivas ferramentas disponíveis para assistir países e nações hostis a percorrer o difícil caminho até o estabelecimento da paz. O Brasil, como membro fundador da ONU, já participou de mais de 50 operações de paz (OPaz) e missões similares, tendo contribuído com mais de 55 mil militares, policiais e civis ao longo dos anos. Nesse sentido, atento à necessidade de se manter preparado e atualizado com o cenário internacional, o Brasil iniciará grande atividade voltada à temática OPaz: o Exercício VIKING 2022.

O VIKING 2022 é um exercício de simulação construtiva assistido por computadores, baseado em um contexto de OPaz e organizado a cada quatro anos. A atividade é uma iniciativa do Reino da Suécia e dos Estados Unidos da América, e, desde 1999, foram realizadas oito edições. A última ocorreu em 2018, ano em que o Brasil participou pela primeira vez e, por consequência, primeira ocasião em que um país não europeu sediou parte do evento.

O Exercício objetiva promover a cooperação e a interoperabilidade entre as Forças Armadas, as organizações e as instituições nacionais e internacionais participantes e, ainda, contribuir para o desenvolvimento do trabalho de Estado-Maior nos processos decisórios das ações relacionadas à missão de paz. Em linhas gerais, a simulação é realizada pela organização de um posto de comando de Quartel-General de uma missão típica da ONU, com seus respectivos comandos subordinados e escritórios regionais.

A atividade possui características ímpares, entre as quais se destacam o multifuncionalismo, com expressivo número de cargos ocupados, o ambiente multinacional e o aspecto multidimensional intrínseco às OPaz sob a égide da ONU. As especificidades elencadas sinalizam a grandiosidade do exercício. Reforçam a assertiva os números alcançados na edição de 2018, que reuniu cerca de 2500 participantes oriundos de 50 países, entre civis, militares e policiais, distribuídos na Suécia e em outros quatro países, dentre os quais o Brasil.

No Brasil, a gestão administrativa do exercício é de responsabilidade do Ministério da Defesa, o qual incumbiu ao Exército Brasileiro a responsabilidade de planejar, executar e conduzir a simulação, que ocorrerá entre os dias 28 de março e 7 de abril do corrente ano, nas instalações do Comando Militar do Planalto, na cidade de Brasília (DF). Desde a concepção, considerou-se para o exercício a necessidade de uma abordagem multidimensional para a solução dos problemas simulados. Dessa forma, acredita-se que ocorrerá a interação e o aumento do conhecimento mútuo entre os partícipes de uma OPaz, bem como a necessária troca de informações entre os envolvidos, tudo visando assegurar uma resposta coerente e uníssona para situações comumente encontradas e vivenciadas no terreno.

O exercício contará com os três principais componentes de uma OPaz: o militar, o civil e o policial. O primeiro reunirá integrantes das três Forças Singulares brasileiras, além de estar constituído por cerca de 20 representantes de nove países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Peru e Uruguai. O segundo estará representado por expressiva participação de acadêmicos vinculados à Rede Brasileira de Pesquisa sobre Operações de Paz (REBRAPAZ) e por integrantes do Sistema ONU Brasil. O terceiro contará com a participação de policiais militares de distintos estados, como Distrito Federal, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Santa Catarina. Todos os componentes irão operar de acordo com seus mandatos institucionais e com os princípios humanitários vigentes.

O cenário a ser utilizado no exercício descreve uma situação histórica, política, socioeconômica, militar e humanitária fictícia em um estado falido, propiciando desafios comumente observados nas operações multidimensionais da ONU. Assim sendo, viabilizará a aplicação de conceitos operacionais atualizados, permitindo que as distintas organizações envolvidas treinem suas especialidades e especificidades. Neste escopo, assuntos como gênero, direitos humanos, proteção de civis, deslocados, refugiados, assistência humanitária e prevenção de violência sexual, dentre outros, estarão presentes e serão considerados nesta edição.

O desenvolvimento do exercício incluiu a participação de inúmeros países europeus e estabeleceu, inicialmente, que sete países constituiriam os sítios remotos: Bósnia-Herzegovina, Brasil, Bulgária, Catar, Finlândia, Suécia e Ucrânia. Os últimos acontecimentos, por óbvio, exigiram a saída de alguns integrantes, por estarem direta ou indiretamente envolvidos no recente conflito deflagrado. Não obstante, é factível afirmar que o tamanho; a multinacionalidade; a multidimensionalidade; a participação de alto nível; o número e a diversidade de organizações representadas; e a integração entre os três componentes tornam o Exercício VIKING único em sua modalidade.

A participação do Brasil em OPaz é condicionada à observância dos princípios que regem tais missões: consentimento das partes em conflito, imparcialidade e não uso da força (exceto em autodefesa ou defesa do mandato).

Que o treinamento a ser realizado de maneira simulada nos próximos dias possa contribuir para a continuidade da preparação dos quadros nacionais para o emprego sob a égide da ONU. Que o Brasil, suas Forças Armadas, suas instituições e seu Povo possam se manter preparados e prontos para levar a paz desta imensa Nação para o mundo, seja onde e quando forem demandados!

Sobre o autor

RODRIGO DE CARVALHO BERNARDO. Coronel da Arma de Cavalaria, oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Desempenhou as funções de Observador Militar na Missão das Nações Unidas na Etiópia e Eritreia e instrutor no Centro Conjunto para Operações de Paz do Chile (CECOPAC). Foi instrutor da AMAN, coordenador na Subchefia de Operações de Paz do Ministério da Defesa e Comandou o 4º Regimento de Cavalaria Blindado (São Luiz Gonzaga/RS). Atualmente, é o Chefe da Divisão de Missão de Paz do COTER.



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