quarta-feira, 8 de julho de 2020

Uma nova escola para transformar a formação dos sargentos de carreira do Exército Brasileiro

Por General da Divisão R1 Joarez Alves Pereira Junior
O Exército Brasileiro, com sabedoria, prioriza o investimento da Força na formação e capacitação de seus quadros. Ainda que houvesse recursos suficientes para a aquisição de todo o material bélico necessário, com avançada tecnologia, a sua posse seria inócua sem a existência de pessoal qualificado para operá-lo.
A verdade é que o recurso não existe, mas, mais significativo do que isso é o fato de que adquirir material exige, basicamente, dispor de orçamento; já a boa formação não pode ser resolvida somente com a alocação de recursos. Ela leva tempo. Não é possível buscar no mercado um oficial-general ou um sargento adjunto de comando. É preciso anos de investimento e preparo. E a existência de uma liderança qualificada é o verdadeiro diferencial de uma Força Armada. Como já atestou o político e diplomata francês, Charles-Maurice de Talleyrand, “temo mais um exército de cem ovelhas lideradas por um leão, do que um exército de cem leões liderados por uma ovelha”.
Com esse pensamento, nos anos 40 do século passado, investiu-se na transformação do processo formativo dos oficiais, com a criação da Academia Militar das Agulhas Negras. A formação dos sargentos vem passando por constantes melhorias e modernizações. É chegado o momento de pensar na transformação. Nesse contexto, inicia-se o estudo que irá verificar a viabilidade da implantação de uma Nova Escola, uma única Escola para congregar toda a formação conduzida em 16 diferentes Organizações Militares. Uma Escola para sempre, capaz de exponenciar a melhoria do processo de formação dos sargentos, que compõem 62% dos profissionais da Força Terrestre, capacitando-os, de forma diferenciada, para as exigências futuras da nova Era do Conhecimento. Uma Escola capaz de receber homens e mulheres sem vivência militar e transformá-los nos combatentes que o Exército precisa, dotados de elevada capacitação profissional e necessária graduação acadêmica.
Para tanto, o estabelecimento da Nova Escola parte de algumas premissas basilares.
1ª premissa _ manutenção do espírito guerreiro, combatente, dos profissionais das armas. Como nos ensinou Luís de Camões, “a disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando”. É a base da educação militar, o aprender fazendo. Esta premissa aponta para a primeira necessidade da Nova Escola: a existência de um campo de instrução, preferencialmente contíguo, ou então muito próximo, para a condução das atividades práticas.
2ª premissa _ formação centralizada. Construção de uma escola única, capaz de agregar a atual formação conduzida de forma descentralizada, em 16 diferentes locais. Para tanto, a Nova Escola deverá ser capaz de receber cerca de 2.400 alunos que viverão em regime de internato. Em ambiente escolar unitário serão capacitados profissionalmente nas diferentes especialidades requeridas pela Força Terrestre e submetidos ao ensino acadêmico que oferecerá a graduação de tecnólogo. A formação centralizada permitirá uma série de melhorias, consolidando o perfil transformador do projeto:
- ambiente modelar _ “Verba Movent, Exempla Trahunt” ou seja, as palavras movem, os exemplos arrastam. A Nova Escola deverá ser a referência impregnada na retina dos nossos sargentos daquilo que levarão para ser reproduzido nas Organizações Militares espalhadas por todo o território nacional;
- uniformidade na formação _ é quase impossível, no modelo atual, uniformizar a formação dos sargentos distribuídos em 16 diferentes locais, sendo que cada um deles frequenta dois diferentes estabelecimentos de ensino. O fato é que, ao final do curso, obtém-se uma turma heterogênea, cujos integrantes carregam impressões distintas da caserna e da vida militar e que tendem a reproduzir essa diversidade ao longo de sua vida profissional, enfraquecendo o bloco monolítico de profissionais que é a base da Força Terrestre;
- criação do “espírito de turma” _ apesar de comporem uma turma única, boa parte dos sargentos formados anualmente nem se conhece. Um dos valores basilares do Exército é o Espírito de Corpo, que como define o Manual de Liderança Militar “é a alma coletiva dos integrantes do grupo”. Essa alma coletiva estabelecida para os oficiais formados em uma única academia mostra-se altamente positiva ao longo da carreira, mantendo traço forte de união e criando sinergia coletiva na busca de melhores soluções para os problemas enfrentados pela Força. O comprometimento com seu colega de turma impulsiona cada um de seus integrantes a produzir mais e traz conforto e suporte nos momentos de dificuldade;
- assimilação de valores _ a educação militar está ancorada em três pilares: o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de valores atitudinais. Os valores não bastam ser conhecidos,mas têm que ser assimilados e praticados. Para tanto, a convivência em ambiente que permita a observação constante das melhores práticas, a observação do exemplo a ser seguido e o referencial prático positivo são ferramentas fundamentais. Para tanto, o ambiente de formação deverá conduzir essa pureza de atitudes, constante referencial a ser seguido pelos alunos;
- seleção de instrutores _ os instrutores são aqueles que conduzem, no dia a dia, a formação do pessoal. Além do conhecimento teórico que devem transmitir, eles são o exemplo, o modelo a ser seguido pelo grupo. O formato atual dificulta a seleção de instrutores, obriga a utilizar o profissional disponível na região de cada Organização de Ensino, ao tempo que desloca vários desses instrutores para ambientes que não permitem, nas condições ideais, o desenvolvimento da instrutoria; e
- senso de pertencimento _ atualmente, pelos motivos já expostos, os sargentos não conseguem desenvolver, em plenitude, o sentimento de “turma de formação” e percebem esse diferencial na convivência com oficiais, estendendo esse não-pertencimento à percepção de uma fragilização da importância dada ao grupo pela Força Terrestre. É preciso reforçar a realidade de que os sargentos fazem parte do time verde-oliva, ao lado dos oficiais, sem escalonamento de grau de importância. Todos são igualmente imprescindíveis para o perfeito funcionamento da Instituição. A Nova Escola deverá, por sua qualidade e imponência, reforçar esse sentido de pertencimento.
3ª premissa _ capacidade de conduzir, nas melhores condições, a graduação acadêmica de tecnólogo. A mudança do curso de formação para curso de formação e graduação de sargentos, no nível tecnólogo, exige uma nova estruturação da escola. O novo curso superior do Exército Brasileiro exige professores capacitados, capazes de conduzir a educação em nível superior, associada às novas exigências de pesquisa acadêmica e tutoria de trabalhos de conclusão de curso. Aspectos, até então, menos expressivos, como idioma estrangeiro e tantos outros, passam a ser exigência na implementação da Nova Escola. A proximidade de centros educacionais civis mais expressivos pode facilitar o estabelecimento de parcerias, a atração de professores e o desenvolvimento de atividades acadêmicas conjuntas.
É sábia a decisão da Força Terrestre, em seu planejamento estratégico, de valorizar o que de mais caro existe em qualquer instituição: o seu pessoal. Transformar a formação dos sargentos, parcela expressiva da força de profissionais que compõem o Exército Brasileiro, é pensar estrategicamente no futuro da Força. É ter visão. É ter coragem de efetivamente transformar. É investir onde certamente haverá maior retorno. É pensar grande e não se limitar aos ditames das restrições financeiras do momento. Pode-se comparar a implantação da Nova Escola às decisões visionárias que conceberam a capital federal no Centro-Oeste ou a criação da Academia Militar em Resende.
O desafio está posto, iniciam-se os trabalhos de planejamento.
Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1982. Cursou a Escola de Comando e Estado-Maior (ECEME) em 1997/98. No exterior realizou o Curso Básico de Inteligência, no Forte Huachuca; o Curso da Escola de Guerra, no War College; e o Curso de Política e Estratégia da National Defense University; todos nos Estados Unidos da América. Foi instrutor da AMAN e da ECEME e comandou a Escola de Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador. Exerceu a função de Adjunto do Adido do Exército junto à Embaixada do Brasil em Washington. Comandou a 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, em Bagé-RS e a 6ª Região Militar, em Salvador-BA. Foi Subchefe do Estado-Maior do Exército para Assuntos Internacionais. Exerceu, como última função no serviço ativo, a Vice Chefia do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Atualmente é o Coordenador Executivo do Grupo de Trabalho que irá realizar o planejamento para a implantação de uma Nova Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército Brasileiro.



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