Por Cel Augusto Pompeu de Souza Perez/ Exército Brasileiro
Há quase duas décadas, o então Ministro da Defesa, Geraldo Quintão,
declarou que a comunidade civil brasileira tinha perdido contato com a
agenda de Defesa, em função da anestesia de 130 anos sem conflito armado
com países vizinhos, da falta de inimigos evidentes e do fato de que o
assunto tinha ficado restrito ao setor castrense nos governos militares.
A ausência de conflitos armados e a descrença nas hipóteses prováveis
de embates internacionais, latentes no seio do grande público, geraram
intensa insensibilidade aos temas de Defesa, em contraponto a problemas
sociais muito mais evidentes. Na lógica racional e imediatista da
sociedade civil, as questões políticas, econômicas e sociais representam
desafios e óbices mais palatáveis e emergentes do que as distantes
concepções estratégicas de Defesa Nacional e os problemas tipicamente
militares.
Por outro lado, o próprio estamento militar incumbiu-se, por
muito tempo, de manter a sociedade distante dos debates sobre
formulações de Defesa. O monopólio temático redundou na ausência de
estímulos à sociedade e na consequente ignorância sobre o assunto. Da
mesma forma, o reduzido impacto na pauta nacional e a falta de
informações permearam, no passado recente, o tímido engajamento de
organizações sociais, de universidades, de cientistas, de formadores de
opinião e da imprensa nas questões castrenses.
Em contraponto, as Forças Armadas (FA) continuaram mantendo altos
índices de aceitação e respeitabilidade, no âmbito do grande público.
Esse fenômeno ocorreu, principalmente, em consequência da visibilidade
das ações subsidiárias, sociais e policiais e não, necessariamente, em
decorrência das missões tradicionais de defesa externa: missões que
justificam a manutenção do aparato bélico, do permanente planejamento e
preparo e da própria essência militar.
A confiança popular impulsionou o intenso emprego das Forças
Armadas em atividades tipicamente policiais. O clamor da população
quanto a sua utilização na Segurança Pública e o elevado respeito pela
Instituição reacenderam o interesse da sociedade. Era preciso discutir
os novos paradigmas e entender as dinâmicas que, por algum tempo,
ficaram por trás do debate nacional. Por que essas intuições
negligenciadas e subvalorizadas seriam agora a solução para a segurança
da sociedade? A percepção mudou? A Instituição mudou? Ou ambas mudaram?
Essa mudança de ambiente tornou-se fundamental para a inclusão do
debate na sociedade. O público abriu-se a fundamentações discutidas em
profundidade e a convicções assentadas em lógicas mais racionais, fruto
de debates e teses de especialistas. Esse novo momento de reavaliações
poderá alterar o julgamento, por meio de convicções centradas em
discursos prontos e em sensações de verdades que oprimiram o debate e
condenaram os militares, por vezes, a um julgamento com juris surdos.
Estamos diante de um momento de reformulações. Na verdade, a
iniciativa partiu da própria sociedade diante da falência da Segurança
Pública no País. É interessante o fato da sociedade depositar total
confiança nas FA como única instituição com capacidade, competência,
profissionalismo, devoção e retidão para enfrentar um desafio não
tipicamente da área de Defesa. O paradoxo está lançado e é ele que
fomenta o novo status quo da relação.
A imprensa é a imagem desse processo. Após o fim dos governos
militares, a mídia adotou postura de silêncio ou denuncismo frente aos
fatos e temas castrenses, seja pelo parco interesse público, seja pelos
ressentimentos de parcela de seus profissionais por antigas censuras e
denúncias de excessos cometidos. A exploração jornalística dos atos de
censura e de repressão política do passado criou bandeiras políticas de
atenção popular e de relevantes índices de audiência. Essa abordagem,
fomentada por uma ampla cobertura da mídia, gerou constrangimentos e
desconfianças por parte do segmento fardado, trazendo reflexos até os
dias atuais.
Atualmente, o perfil da imprensa modificou-se. O crescente
emprego das FA em ações subsidiárias e de Garantia da Lei e da Ordem,
concedeu destaque e relevância ao aparato militar. Assim, a importância
atual das FA, mesmo não calcada na atividade-fim, tem iluminado a
atividade militar e provocado debates no meio jornalístico e acadêmico,
com reversão do modelo de silêncio e denuncismo da imprensa e de
desprestígio e distanciamento dos políticos.
O debate sobre a temática da Segurança Pública tornou-se um
impulso para a sociedade procurar discutir e conhecer as FA e suas
missões. O discurso retroalimentou o interesse e instigou a formação de
especialistas em assuntos bélicos, tanto na imprensa quanto na
universidade.
O marco mais visível do quadro atual é a estatura política do
Comandante do Exército, com força para pautar a imprensa e influir nas
decisões governamentais em assuntos que reverberam na tropa. Esse estado
é consequência da melhor interação entre civis e militares, do melhor
conhecimento mútuo, do maior entendimento e do reconhecimento da
importância da missão militar.
O sucesso midiático do Comandante está ligado à utilização de
poderoso instrumento de comunicação social: as mídias sociais. A
agilidade do Exército em incorporar as novas formas de comunicação
ampliaram a capacidade de divulgação de seu discurso e o alcance da sua
voz. As mídias sociais, a busca pelo conhecimento e a mudança da
imprensa tiraram as FA e sua temática de tráz da cortina. A exposição
trouxe novos interlocutores, novas análises e, principalmente, novas
indagações.
O novo momento trouxe os militares para perto e para dentro, como
membros e solução. Assim, a proximidade favoreceu a troca, o consenso, o
conhecimento, a discussão e, acima de tudo, o reconhecimento e a
compreensão. Em síntese, estamos diante de uma oportunidade para
consolidar a interação entre os soldados e a sociedade brasileira: um
processo longo e difícil diante das lógicas de um passado recente que
colocaram os temas castrenses e seus interlocutores fora da cena e em um
mundo à parte.
Os grandes responsáveis por esse fomento serão os militares. São
eles os principais beneficiados do processo. O desconhecimento trouxe,
no passado, pesados fardos às instituições, ao perderem completamente a
habilidade de diálogo e o convencimento acerca dos interesses
institucionais, o que afetou seriamente suas capacidades e motivações.
Assim, as FA poderão intensificar os intercâmbios com o meio
acadêmico civil no intuito de formar uma massa crítica capaz de produzir
conhecimentos ambivalentes e de difundir, nacionalmente, a importância
da temática da Defesa Nacional para todos os cidadãos.
Quanto à imprensa, os militares devem aprofundar o novo perfil de
comunicação social, procurando “mostrar mais” suas ações, como segmento
social humanizado, devotado e integrado à sociedade e como símbolo de
profissionalismo e disciplina aos preceitos legais, adotando, dessa
forma, uma ação ainda mais proativa.
Outrossim, deve-se aprofundar os contatos e debates com as
diversas mídias, trazer jornalistas para conhecer os quartéis,
principalmente aqueles que mais atuam na temática, independentemente de
sua linha de análise. É importante ouvir e ser ouvido, para que se possa
compreender as lógicas. Abrir espaços para as divergências intelectuais
é primordial, pois elas exigem maior energia para compreendê-las ou
para melhor contestá-las.
Finalmente, a população brasileira deve perceber o soldado
solidário e capaz como um ser humano e um membro da família. A
humanização visa permitir a identificação, buscando intensamente a
integração, a inter-relação, o debate e a comunhão de valores. Os
militares estão diante de uma grande oportunidade e de um desafio ainda
maior.
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terça-feira, 11 de setembro de 2018
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