Estadão
O
embaixador Ernesto Araújo se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro
nesta segunda-feira, 29, e entregou seu cargo. A informação foi repassada ao Estadão por
pessoas que acompanham a discussão sobre a saída do chanceler. Ernesto passou
pouco mais de 800 dias à frente do Itamaraty e vinha sendo contestado dentro e
fora do governo. Na visão de parlamentares, especialistas e empresários, a
atuação do chanceler na pasta, considerada ideológica, prejudicou o
País na obtenção de insumos e vacinas para combater a covid-19.
Ernesto cancelou
compromissos nesta segunda-feira com autoridades estrangeiras para discutir seu
futuro. E foi chamado de última hora por Bolsonaro no Palácio do
Planalto. Na reunião, segundo aliados, o ministro disse ao presidente
estar disposto a deixar o cargo para não ser mais um problema para o governo na
relação com o Congresso. Auxiliares diretos do ministro consideram que a situação
é "irreversível". Uma nova reunião está prevista para o fim da
tarde.
Apesar
de Ernesto colocar o o cargo à disposição, Bolsonaro ainda não escolheu o
substituto. O nome mais forte no Palácio do Planalto é o do
almirante Flávio Rocha, atual secretário de Comunicação Social e da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Rocha, que tem o apoio do
ministro das Comunicações, Fabio Faria, é considerado habilidoso, já
cumpriu missões em nome de Bolsonaro na Argentina e na China em momentos
delicados na relação com esses países e fala cinco idiomas. É atribuída ao
militar todo o recuo que o presidente faz quando radicaliza o discurso.
No
Itamaraty e na Marinha, contudo, há resistências porque sua nomeação colocaria
um almirante da ativa na linha de frente do governo. A situação seria
semelhante a de Eduardo Pazuello, que assumiu o Ministério da Saúde como
general da ativa e, nesta condição, não teve condições de contrariar o
presidente em momentos importantes da pandemia.
No
período da ditadura (1964-1985), seis nomes passaram pelo Itamaraty,
mas apenas um deles foi militar. O general Juracy Magalhães ocoupou o
cargo de janeiro de 1966 a março de 1967. É dele a célebre frase: "O que é
bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil". Ele também tinha uma
carreira político e já havia sido antes governador da Bahia.
ma
ala do Palácio Planalto, porém, defende um político para o cargo, de
preferência um senador, a exemplo do que ocorreu no governo de Michel Temer.
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e José Serra (PSDB-SP) comandaram a pasta
de Relações Exteriores.
Uma
teceira opção é promover alguém da carreira diplomática. O nome cogitado é
o do embaixador do Brasil na França, Luiz Fernando Serra. O diplomata,
porém, indicou a colegas que não gostaria de deixar Paris neste momento para
voltar ao País.
Pressão
após briga com Kátia Abreu
A
pressão sobre Ernesto aumentou neste domingo, depois que o ministro acusou a
senadora Kátia Abreu
(Progressistas-TO)
de fazer lobby de chineses durante almoço no Itamaraty. Com o gesto, ele forçou
novo embate entre o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Presidente da
Comissão de Relações Exteriores, a senadora disse apenas ter defendido que
não haja discriminação à China no leilão da tecnologia 5G, que vem sendo
discutido no governo,
e
chamou o ministro de “marginal”. Ela recebeu apoio expressivo de congressistas
que já cobravam a demissão de Ernesto.
A tese dos
interesses chineses por trás da queda de Ernesto, e não por sua atuação na
pasta, já vinha sendo apontada nos bastidores por aliados do ministro no
governo e por militantes conservadores nas redes sociais.
A
declaração do ministro, no Twitter, foi interpretada como gesto “suicida” por
diplomatas, e uma forma de construir uma versão para justificar sua saída do
cargo. Parlamentares e diplomatas avaliam que o ministro teve apoio do clã
Bolsonaro nessa contra ofensiva. Ele tem apoio público do deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), o filho do presidente que mais interfere na política
externa.
No
ano passado, Ernesto se envolveu em polêmicas com o embaixador da China no
Brasil, Yang Wanming. Em novembro, o chanceler defendeu Eduardo Bolsonaro,
que havia associado o governo chinês à “espionagem” por meio da tecnologia 5G.
O presidente Jair Bolsonaro elogiou o ministro pela iniciativa. O
chanceler também já se referiu à covid-19 como “comunavírus”, o que incomodou
os chineses.
A
relação do chanceler com representantes do país asiático foi abalada ao
ponto de Ernesto ficar fora de negociações para destravar a
importação de vacinas para o Brasil, no início do ano. Na ocasião, a
interlocução com os chineses ficou a cargo dos ministros Fábio Faria
(Comunicações), Teresa Cristina (Agricultura) e Eduardo Pazuello (Saúde). Este
último demitido na semana passada.