Por Tenente Coronel Maurício Aparecido França
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em
1949, agrupando 12 países em torno de um projeto de “segurança coletiva”
em face do inimigo comum. A Europa estava dividida ideologicamente: a
leste, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ameaçava
expandir militarmente seu território e, a oeste, os Estados Unidos da
América (EUA) tentavam impedir.
Desde sua criação, a organização sediada em Bruxelas
incorporou novos atores e, atualmente, é composta por 29 países. A
despeito da incontestável liderança americana, as decisões são tomadas
em unanimidade, não havendo o poder de veto como ocorre, por exemplo, no
Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Com o fim da URSS, a organização teve sua finalidade
questionada sob o pretexto de que a ameaça militar direta teria se
extinguido. No entanto, a instabilidade de caráter étnico dos Balcãs e o
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 reforçaram a ideia de que a
OTAN iria ainda desempenhar um papel importante. O pensamento de
extinção cedeu lugar ao processo de transformação pelo qual a
organização ampliou sua área geográfica de atuação para além de seus
próprios limites.
Nesse contexto de transformação, a ideia de se
estabelecer parcerias estratégicas para a paz foi colocada em prática.
Baseada em um senso mais complexo de defesa coletiva, a OTAN passou a
privilegiar relações bilaterais com países não europeus capazes de
contribuir de alguma forma para a consecução de seus objetivos. São
exemplos claros de tais parcerias as relações entre a OTAN e o Iraque, o
Afeganistão, a Austrália e, na América do Sul, mais recentemente, a
Colômbia.
Em novembro de 2018, em uma entrevista à BBC, o
ex-embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, defendeu que o Brasil
estabelecesse também uma parceria para a paz com a OTAN, pois “isso traria
ao Brasil uma oportunidade para se envolver e trabalhar diretamente não
apenas em questões militares e das forças armadas, mas em tudo que for
ligado à segurança nacional e segurança global”.
Para o Brasil, maior país da América do Sul, a aproximação direta com
a OTAN sempre gerou questionamentos sobre o que essa parceira
representaria para o país. Essa é uma reflexão importante, especialmente
no momento atual, em que a política externa brasileira está se
aproximando dos EUA.
No campo geopolítico, não há dúvidas de que se o Brasil
deseja realmente alcançar uma posição de maior protagonismo
internacional, uma possível parceria com a OTAN contribuiria para este
objetivo. Ressalta-se que isso não representa um rompimento com a
tradição brasileira de não intervenção e de solução pacífica de
controvérsias.
Por outro lado, o estabelecimento dessa parceria
reafirmaria o posicionamento contrário do Brasil ao expansionismo e ao
terrorismo, repudiados historicamente pela diplomacia brasileira. Ou
seja, a ação de se aproximar não seria novidade nenhuma para aqueles que
acompanham os passos do Brasil.
Militarmente, as oportunidades são mais claras e fáceis
de visualizar. O sistema doutrinário da aliança é fruto das lições
aprendidas em suas missões e constitui-se em um conhecimento de ponta
para nações pacíficas como o Brasil. A ideia-força seria “aprender com
os erros e acertos dos outros”. A OTAN cumpre missões, atualmente, no
Afeganistão e em Kosovo, patrulha o mar Mediterrâneo, apoia a União
Africana na Somália e policia o espaço aéreo nas regiões fronteiriças
com a Rússia. Todas essas atividades podem subsidiar a nossa própria
doutrina.
A Diretriz para Atividades do Exército Brasileiro na Área
Internacional (DAEBAI) assinala a região formada pela América do Norte e
Europa como sendo o “Arco do Conhecimento” para aquisição de inovações
doutrinárias e tecnológicas. Para cumprir esse objetivo, militares
brasileiros são enviados para frequentarem cursos de aperfeiçoamento e
altos estudos que os tornam conhecedores da doutrina militar das Nações
Amigas (NA). Paralelamente, uma rede de oficiais de ligação foi
estabelecida com o intuito de se ter acesso aos centros de doutrina
desses países. Estamos, de uma maneira indireta, recebendo os
ensinamentos da OTAN.
Não obstante, há que se ressaltar que uma parceria com a
aliança permitiria o acesso direto ao sistema de ensino da Organização. A
Colômbia, por exemplo, envia militares para a Escola da OTAN na
Alemanha (Oberammergau) e para o Colégio de Defesa da OTAN na Itália
(Roma) desde 2013. Ademais, O Exército Brasileiro poderia ter acesso
facilitado a outras formações como, por exemplo, na Escola de Defesa
Cibernética em Portugal, considerada referência no setor.
Nessa mesma direção, acrescenta-se a possibilidade de
promoção dos Produtos de Defesa do Brasil em mercados tradicionalmente
fechados. Quanto mais aprofundarmos a participação em exercícios
utilizando material nacional, maiores são as chances de adoção desses
equipamentos na Europa e nos demais parceiros da OTAN. Os programas
ASTROS e GUARANI encaixam-se perfeitamente nesse ponto.
Finalmente, cabe ressaltar que estabelecer uma pareceria
para a paz com a OTAN não representa, em absoluto, alinhar-se
automaticamente com qualquer ator internacional. Ao contrário, assinala
um passo pragmático para o fortalecimento das capacidades militares
dissuasórias do País. Sem dúvidas, será um passo possível e importante.