Por Coronel Raul Kleber de Souza Boeno
Importantes teorias conservaram-se por muito tempo, quer seja por
interesse financeiro, político ou religioso, quer seja por falta de
contestação devido à ausência de tecnologia e argumentos baseados na
ciência. Foi o caso da percepção de que a Terra seria plana, da teoria
Geocêntrica e da teoria Heliocêntrica que mantiveram credibilidade em
suas épocas.
Os relatórios da comunidade internacional, em especial os do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), afirmam com 95% de
certeza que a ação humana é responsável, direta e indiretamente, por
algumas das alterações globais, entre elas as alterações climáticas,
cuja face mais debatida é a elevação da temperatura média na superfície
do planeta, mais conhecido como aquecimento global. Assim, considerando o
atual estado da ciência, questiona-se: os 5% de incerteza sobre as
causas antrópicas nas alterações climáticas seriam suficientes para
impedir ações concretas dos Estados para fazer frente à questão
climática?
No cenário internacional, a questão climática tem sido debatida em
distintas agendas, inclusive na segurança e na defesa. Ocorre que, na
América do Sul, até o início do século XXI, a conjuntura (política,
social e econômica, entre outras) conduziu a discussão sobre o clima
quase que exclusivamente para a agenda ambiental.
No caso do Brasil, percebe-se que o debate tem sido polarizado por
atores estatais e não estatais dos setores ambiental e agrícola, com
repercussões em diversas áreas como, por exemplo, energia, indústria,
transporte, saúde, entre outros. Dessa forma, entende-se que os reflexos
da questão climática para a soberania do Brasil foram pouco debatidos,
carecendo de um aprofundamento.
Associada a essa necessidade, percebe-se, ainda, que a articulação internacional tem fomentado a construção de uma dissuasão climática,
particularmente a partir da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as
Mudanças Climáticas (COP 21), em 2015. O Acordo de Paris criou três
mecanismos (financeiro, de transferências de tecnologia e de
desenvolvimento de capacidades) como incentivos para que as partes
(Estados) cumpram os termos desse acordo, pois financiamentos e
pagamentos devem ser baseados em resultados.
O Governo Federal do Brasil tem tratado a questão climática por
intermédio da Política Nacional da Mudança do Clima (PNMC), do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas (braço técnico-científico da PNMC), do
Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) e da Comissão
Interministerial de Mudança Global do Clima. Nesses órgãos percebe-se
uma forte participação dos setores ligados ao meio ambiente e uma
reduzida presença (inexistência de representantes) dos setores ligados à
defesa e à segurança.
O ano de 2019, além de caracterizar a maioridade do Século XXI,
apresenta-se pleno de expectativas e desafios no sentido de definir
rumos para importantes questões de interesse do Estado e da população,
em especial ao povo brasileiro.
A desistência do Brasil em sediar a COP 25 (2019), além de
caracterizar uma necessária racionalização de recursos, parece-nos que
também reflete uma nítida postura de cautela sobre a questão climática.
Sobre isso, cabe pontuar que o legado de sediar a Copa do Mundo 2014 e
as Olimpíadas de 2016 ainda é percebido pelo povo brasileiro. Certamente
houve grandes benefícios que contribuíram para fortalecer a imagem do
Brasil. Contudo, alguns problemas ainda são tratados nos tribunais e
discutidos nas manchetes sobre escândalos e prisões de agentes, do
Estado e da iniciativa privada, que tanto se esforçaram para sediar
aqueles eventos.
Assim, depreende-se que a questão climática possui vários centros
nevrálgicos que podem dar sustentação ao debate. Contudo, devido aos
interesses internacionais (agentes estatais e não estatais) sobre o
Brasil, a questão climática necessita de uma atenção maior por parte dos
decisores estratégicos na área da segurança e da defesa para impedir
que o tema alterações climáticas possa gerar déficit de soberania ao
País.
Os relatórios do IPCC indicam que parte do território brasileiro
(regiões Nordeste e Centro-Oeste) será um cenário com um clima mais seco
(palco de secas prolongadas, temperaturas extremas, ondas de calor e
incêndios). Provavelmente as missões das forças armadas, no campo
humanitário, estarão ligadas às atividades de purificação e distribuição
de água, perfuração de poços artesianos, construção de açudes, combate a
incêndios, gestão de crise hídrica, confecção e distribuição de
alimentos nas áreas atingidas no que toca à segurança alimentar
(plantações, pesca e criações de animais), suporte médico, combate às
pragas e insetos (vetores de doenças como dengue, chikungunya e zika) e
trabalhos que envolvam a ampliação da mobilidade através dos rios, entre
outras.
Além disso, um clima mais seco implicará para as forças armadas em:
aumento das doenças respiratórias nos seus efetivos; redução no seu
orçamento (redução no consumo de água, energia e recursos energéticos);
atualização dos seus calendários de vacinação (proteção do efetivo
militar); manter-se alerta com seus depósitos (combustíveis, explosivos e
viaturas); alteração da rotina diária dos quartéis (manutenção de
material/instalações, horários de treinamento físico e atividades em
áreas abertas); aquisição de material específico para atuação em
desastres; carência de capacitação de efetivos; entre outros aspectos de
segurança alimentar e humana que envolvam seus recursos humanos.
No outro extremo, as projeções também indicam que algumas regiões
(Sul e Sudeste) serão atingidas por maior intensidade e frequência de
chuvas. Dessa forma, cheias, inundações e tempestades, provavelmente
levarão o País a empregar as suas forças armadas em missões de
reconstrução de pontes, auxílio à população, apoio médico,
recuperação/reparação de estradas e de pistas de aeroportos, preparação e
distribuição de alimentos, proteção do patrimônio público, recuperação
de infraestruturas, remoção de escombros, entre outras.
Além disso, um maior regime de chuva significa maior produção de
energia elétrica, se houver estações hidroelétricas nas regiões de
precipitação (caso da matriz energética do Brasil). Contudo, o excesso
de precipitação pode significar inundações e severos prejuízos, com
impactos na agricultura, na pecuária, na saúde humana (zoonoses como
leishmaniose e febre amarela), comprometendo infraestruturas e causando
desmoronamentos, por exemplo.
Outra importante projeção se refere à elevação do nível do mar. Sobre
isso, cabe lembrar que o Brasil possui um imenso litoral:
aproximadamente 7.367 km. Nesse sentido, percebe-se a importância de o
setor militar estar atento para missões de ajuda à população costeira e
de preservação da infraestrutura de defesa litorânea. Um exemplo é a
localização das usinas nucleares brasileiras e das Organizações
Militares a poucos metros da orla marítima.
Assim, desses exemplos, percebe-se que uma eventual securitização da
questão climática teria implicações para a soberania brasileira, com
significativas consequências para suas forças armadas. Dessa forma, nos
próximos anos, especialmente em 2019, uma postura de cautela parece ser
no mínimo razoável frente à questão climática, pelo menos até todos os
setores do Estado se envolverem no debate sobre o tema, inclusive a
defesa e a segurança.
Coronel Raul Kleber de Souza BoenoDoutor em Alterações Climáticas e
Políticas de Desenvolvimento Sustentável (Universidade de
Lisboa/Portugal), Mestre em Comunicação (UFPR), Mestre em Operações
Militares (EsAO), Especialista em Educação (UFRJ) e Bacharel em Ciências
Militares (AMAN). Curso de Gestão Política e Social de Riscos e
Situações de Emergência (ENPC/Espanha) e Inteligência
Estratégica (ESG/Argentina).
Integrante do Grupo de Estudos professor, escola e tecnologias
educacionais (GEPPETE/UFPR)
(http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2062040561574101) e pesquisador do
Laboratório de Estudos de Defesa (ECEME)
(http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6027366679937474). Pesquisa a
securitização das alterações climáticas e a militarização dos desastres.
Atualmente é Chefe da Assessoria de Estudos Estratégicos da 5ª DE.