Gen Ex Ref Alberto Mendes Cardoso/ Exército Brasileiro |
Por Gen Ex Ref Alberto Mendes Cardoso/ Exército Brasileiro
A base da pirâmide
Na base da pirâmide da criminalidade
urbana, comentada na 1ª parte deste artigo, encontram-se crianças e
adolescentes mergulhados em caldo de cultura essencialmente criminógeno,
composto por fatores indutores de violência não contrapostos pelas
devidas instâncias formais e informais de controle social e até
facilitados pela omissão de algumas delas. Listam-se alguns indutores,
variando sua importância de acordo com as circunstâncias de cada
comunidade: desagregação familiar, dificuldade de acesso aos serviços do
Estado (saúde, educação, saneamento básico, justiça, segurança),
violência doméstica e na escola, vício em drogas, falta de áreas e
atividades de lazer e esporte, desemprego, banalização da corrupção e
maus exemplos de adultos, dificuldade de evolução cultural, afrouxamento
dos costumes e valores culturais, exacerbação do hedonismo e
consumismo, falta de assistência e solidariedade a vítimas de violência,
precariedade da reintegração social dos apenados e adolescentes em
conflito com a lei, exploração sexual de crianças e adolescentes, falta
de creches, carência alimentar, baixa qualidade da moradia etc. Como se
pode inferir, cada um desses fatores requereria uma política de
prevenção primária específica, o que empresta caráter multíplice e
sistêmico à estratégia geral.
No País, há centenas de milhares de
jovens em situação de risco de entrada no crime. Muitos aderem a ele,
porque já se sentem inseridos no processo de sintetização daqueles
fatores em um único: a desvalorização da vida (a própria e a dos
demais). É um caminho exacerbado pela estreita margem de superação das
frustrações em relação às expectativas do consumismo e hedonismo,
“elevados” ao status de valores culturais pela sociedade e pelos meios
de comunicação. Tudo isso é incentivado pela atraente lucratividade do
crime, pela sensação de poder que ele induz e por falhas das esferas de
controle social informal (família, escola, religiões, profissão,
cultura, costumes, vizinhança, terceiro setor, mídia, opinião pública
etc.) e formal (administração municipal, conselhos tutelares, polícia,
Ministério Público, Justiça, execução penal etc.). Sendo essa talvez a
parte mais importante da etiologia da criminalidade, o enfrentamento do
problema tem de reconstruir o controle social ponto por ponto. O
desleixo comunitário e governamental tem sido a causa do fracasso do
Estado em consolidar a retomada das áreas liberadas pelas fugazes ações –
apenas repressivas ou limitadamente estruturantes – policiais ou das
Forças Armadas, como as UPP e as intervenções para garantia da lei e da
ordem sem aplicação do poder total do Estado.
Há que fortalecer as instâncias
informais do controle social e municipalizar as formais sob o enfoque da
prevenção primária, a fim de evitar os primeiros desvios para a
violência e a delinquência. Vale dizer, não confiar apenas nos efeitos
dissuasórios – muito importantes, mas não únicos – da prevenção
secundária, decorrente da eficácia das políticas penal e
policial-repressiva.
A metodologia de um plano de prevenção
primária da violência urbana pode assentar-se nas seguintes ideias
básicas, tendo sempre em mente que a unidade de tempo em educação é uma
geração após o início de um programa dessa abrangência:
1) enquanto não houver recursos
orçamentários específicos, selecionar cerca de cinquenta programas do
Plano Plurianual de Investimentos relacionados, direta ou indiretamente,
com os indutores de violência, independentemente dos órgãos
governamentais aos quais estejam destinados;
2) identificar as zonas de maior incidência e produção de violência e criminalidade nos municípios das regiões metropolitanas;
3) em parceria com as autoridades
municipais, definir, face a face com as lideranças comunitárias, as
principais carências e necessidades carreadoras de indutores de
violência e elaborar ou incrementar projetos para atendimento eficaz,
estruturando-os sobre a integração de programas selecionados entre
aqueles cinquenta;
4) articular esses programas aos
projetos federais, estaduais, municipais e do terceiro setor afins já
existentes, evitando superposições dispersoras de recursos e esforços;
5) estimular a adesão da iniciativa privada em apoio aos projetos;
6) mobilizar voluntários das comunidades, por intermédio das lideranças locais;
7) capacitar líderes para implantar e executar os projetos;
8) implantá-los;
9) acompanhar, avaliar a execução e, se necessário, corrigir os rumos.
A síntese dessas ideias é a integração
dos programas sociais para otimizar os recursos e os resultados, com
foco nos jovens em seu ambiente comunitário, visando ao enfrentamento
dos indutores de violência locais.
É bastante provável que os reais valores
culturais brasileiros – família, dignidade da pessoa, solidariedade,
tolerância, liberdade, verdade, honestidade, misticismo, entre outros –,
abafados na ética e na moral dos universos fornecedores de jovens para a
delinquência, sejam reativados pelas atividades comunitárias
auto dirigidas e, assim, venham a se contrapor aos antivalores da
ambiência criminógena. Trata-se da educação, no seu sentido mais amplo e
profundo, ajudando os jovens e formando novos líderes na revitalização
dos comportamentos moralmente bons e na revalorização da vida.
Quanto à ação policial na base da
pirâmide, há que definir dois tipos, ambos indispensáveis, cujo êxito
pressupõe polícias bem equipadas, científica e tecnicamente atualizadas,
operacionalmente integradas, compostas por policiais justamente
remunerados, continuadamente motivados e capacitados. Um tipo é a ação
repressiva, caudatária das ações no nível intermediário, voltada contra
os que já tenham sido incorporados aos bandos delinquentes. É passo
inicial fundamental para a retomada do controle social formal em áreas
dominadas pelo crime. O outro tipo, dirigido para as populações de áreas
ainda não controladas pelos bandos ou já liberadas pela repressão, é a
polícia comunitária, que permite o entrosamento dos agentes informais do
controle social com o policial formal, no mesmo ambiente em que vivem
os destinatários do provimento de segurança.