segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A política de segurança pública é múltipla (2ª Parte) a base da pirâmide.

Gen Ex Ref Alberto Mendes Cardoso/ Exército Brasileiro

 Por  Gen Ex Ref Alberto Mendes Cardoso/ Exército Brasileiro
A base da pirâmide
Na base da pirâmide da criminalidade urbana, comentada na 1ª parte deste artigo, encontram-se crianças e adolescentes mergulhados em caldo de cultura essencialmente criminógeno, composto por fatores indutores de violência não contrapostos pelas devidas instâncias formais e informais de controle social e até facilitados pela omissão de algumas delas. Listam-se alguns indutores, variando sua importância de acordo com as circunstâncias de cada comunidade: desagregação familiar, dificuldade de acesso aos serviços do Estado (saúde, educação, saneamento básico, justiça, segurança), violência doméstica e na escola, vício em drogas, falta de áreas e atividades de lazer e esporte, desemprego, banalização da corrupção e maus exemplos de adultos, dificuldade de evolução cultural, afrouxamento dos costumes e valores culturais, exacerbação do hedonismo e consumismo, falta de assistência e solidariedade a vítimas de violência, precariedade da reintegração social dos apenados e adolescentes em conflito com a lei, exploração sexual de crianças e adolescentes, falta de creches, carência alimentar, baixa qualidade da moradia etc. Como se pode inferir, cada um desses fatores requereria uma política de prevenção primária específica, o que empresta caráter multíplice e sistêmico à estratégia geral.
No País, há centenas de milhares de jovens em situação de risco de entrada no crime. Muitos aderem a ele, porque já se sentem inseridos no processo de sintetização daqueles fatores em um único: a desvalorização da vida (a própria e a dos demais). É um caminho exacerbado pela estreita margem de superação das frustrações em relação às expectativas do consumismo e hedonismo, “elevados” ao status de valores culturais pela sociedade e pelos meios de comunicação. Tudo isso é incentivado pela atraente lucratividade do crime, pela sensação de poder que ele induz e por falhas das esferas de controle social informal (família, escola, religiões, profissão, cultura, costumes, vizinhança, terceiro setor, mídia, opinião pública etc.) e formal (administração municipal, conselhos tutelares, polícia, Ministério Público, Justiça, execução penal etc.). Sendo essa talvez a parte mais importante da etiologia da criminalidade, o enfrentamento do problema tem de reconstruir o controle social ponto por ponto. O desleixo comunitário e governamental tem sido a causa do fracasso do Estado em consolidar a retomada das áreas liberadas pelas fugazes ações – apenas repressivas ou limitadamente estruturantes – policiais ou das Forças Armadas, como as UPP e as intervenções para garantia da lei e da ordem sem aplicação do poder total do Estado.
Há que fortalecer as instâncias informais do controle social e municipalizar as formais sob o enfoque da prevenção primária, a fim de evitar os primeiros desvios para a violência e a delinquência. Vale dizer, não confiar apenas nos efeitos dissuasórios – muito importantes, mas não únicos – da prevenção secundária, decorrente da eficácia das políticas penal e policial-repressiva.
A metodologia de um plano de prevenção primária da violência urbana pode assentar-se nas seguintes ideias básicas, tendo sempre em mente que a unidade de tempo em educação é uma geração após o início de um programa dessa abrangência:
1) enquanto não houver recursos orçamentários específicos, selecionar cerca de cinquenta programas do Plano Plurianual de Investimentos relacionados, direta ou indiretamente, com os indutores de violência, independentemente dos órgãos governamentais aos quais estejam destinados;
2) identificar as zonas de maior incidência e produção de violência e criminalidade nos municípios das regiões metropolitanas;
3) em parceria com as autoridades municipais, definir, face a face com as lideranças comunitárias, as principais carências e necessidades carreadoras de indutores de violência e elaborar ou incrementar projetos para atendimento eficaz, estruturando-os sobre a integração de programas selecionados entre aqueles cinquenta;
4) articular esses programas aos projetos federais, estaduais, municipais e do terceiro setor afins já existentes, evitando superposições dispersoras de recursos e esforços;
5) estimular a adesão da iniciativa privada em apoio aos projetos;
6) mobilizar voluntários das comunidades, por intermédio das lideranças locais;
7) capacitar líderes para implantar e executar os projetos;
8) implantá-los;
9) acompanhar, avaliar a execução e, se necessário, corrigir os rumos.
A síntese dessas ideias é a integração dos programas sociais para otimizar os recursos e os resultados, com foco nos jovens em seu ambiente comunitário, visando ao enfrentamento dos indutores de violência locais.
É bastante provável que os reais valores culturais brasileiros – família, dignidade da pessoa, solidariedade, tolerância, liberdade, verdade, honestidade, misticismo, entre outros –, abafados na ética e na moral dos universos fornecedores de jovens para a delinquência, sejam reativados pelas atividades comunitárias auto dirigidas e, assim, venham a se contrapor aos antivalores da ambiência criminógena. Trata-se da educação, no seu sentido mais amplo e profundo, ajudando os jovens e formando novos líderes na revitalização dos comportamentos moralmente bons e na revalorização da vida.

Quanto à ação policial na base da pirâmide, há que definir dois tipos, ambos indispensáveis, cujo êxito pressupõe polícias bem equipadas, científica e tecnicamente atualizadas, operacionalmente integradas, compostas por policiais justamente remunerados, continuadamente motivados e capacitados. Um tipo é a ação repressiva, caudatária das ações no nível intermediário, voltada contra os que já tenham sido incorporados aos bandos delinquentes. É passo inicial fundamental para a retomada do controle social formal em áreas dominadas pelo crime. O outro tipo, dirigido para as populações de áreas ainda não controladas pelos bandos ou já liberadas pela repressão, é a polícia comunitária, que permite o entrosamento dos agentes informais do controle social com o policial formal, no mesmo ambiente em que vivem os destinatários do provimento de segurança.